Políticas do governo Bolsonaro para o setor, conflitos com organizações não governamentais, polêmica com cientistas e participação conturbada na COP 25 desmancham a imagem do Brasil como um país comprometido com a preservação do meio ambiente
AF Augusto Fernandes ME Maria Eduarda Cardim
O ano de 2019 foi atípico para o meio ambiente no Brasil. Enquanto uma série de tragédias dizimaram a vida de pessoas e animais, depredaram biomas e ecossistemas, as polêmicas posições e decisões do governo federal na área ambiental mancharam a imagem do país, principalmente, no exterior. Ataques a organizações não governamentais e a personalidades estrangeiras, desmonte de instituições responsáveis pela preservação ambiental e enfraquecimento de fontes de financiamento para iniciativas de proteção à floresta foram algumas das atitudes que minaram o prestígio do Brasil.
Para ambientalistas, pesquisadores, ex-ministros do Meio Ambiente e parlamentares, o ano se resume a uma palavra: desastroso. Os primeiros 12 meses do governo Bolsonaro terminam com a contestada participação do país na 25ª Conferência do Clima das Nações Unidas (COP 25) — evento que o Brasil desistiu de sediar —, em Madri. Sem grandes contribuições ao debate, a comitiva oficial brasileira saiu do encontro com imagem negativa.
O deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), presidente da Comissão do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Câmara dos Deputados, que esteve na conferência, acredita que a imagem ruim deixada pelo país pode prejudicar os negócios em futuro próximo. “Acho que 2020 vai ser extremamente desafiante. Há grande pressão externa para que o Brasil assuma uma posição diferente. Isso ficou evidente ao final da COP 25. O país ganhou o prêmio de Fóssil do Ano. Isso é muito ruim para quem quer fazer negócio lá fora e se destacar no mercado internacional”, observa o parlamentar.
O coordenador de Políticas Públicas do Greenpeace, Márcio Astrini, se preocupou com o que viu em Madri. “A imagem do Brasil é muito ruim, e o governo faz um esforço incansável para piorar”, avalia. De acordo com Astrini, o clima nos bastidores foi de espanto, já que o país sempre foi uma potência ambiental e diplomática nessa área. “Muitos perguntaram o que estava acontecendo com o Brasil. Viramos um nanico na agenda climática”, afirma.
Após a conferência, o ministro do Meio ambiente, Ricardo Salles, criticou a resistência das potências mundiais a discutir a mudança da base energética de combustíveis fósseis e o protecionismo de países ricos em não regulamentar a comercialização de créditos de carbono no mercado internacional. “A COP 25 não deu em nada. Países ricos não querem abrir seus mercados de créditos de carbono. Exigem medidas e apontam o dedo para o resto do mundo, sem cerimônia, mas, na hora de colocar a mão no bolso, eles não querem. Protecionismo e hipocrisia andaram de mãos dadas o tempo todo”, justifica o ministro.
Dessa forma, há quem projete um futuro conturbado para a política ambiental do país. Doutor em política, organização e administração florestal, Eleazar Volpato lamenta que o Brasil tenha “entrado pequeno e saído menor da COP 25”, visto que o país “sempre exerceu protagonismo na área ambiental”. “Foi desastroso. O ministro parece não ter sensibilidade, e inverteu uma tendência de respeito que o país vinha obtendo. Tudo aquilo que se conquistou com muito custo, com o país avançando em credibilidade, está retrocedendo. Nunca vimos nada parecido”, comenta.
Além disso, Volpato diz que a maneira como Salles e o presidente Jair Bolsonaro tentam achar culpados para as tragédias que aconteceram neste ano, e como enfrentam personalidades internacionais — a exemplo do ator Leonardo DiCaprio e da ativista Greta Thunberg —, deixam o horizonte ambiental do país recheado de dúvidas. “É uma situação bastante esquisita e preocupante, pois as pessoas não mudam facilmente. Se a sociedade reagir, talvez faça o governo mudar. Mas, enquanto isso, eles continuarão a aplicar essa política”, afirma.
Astrini, do Greenpeace, não vê sinais de que o governo mudará os rumos da política ambiental. “A gente não pode se dar ao luxo de esperar o fim do mandato de Bolsonaro para minimizar as perdas. Isso pode significar uma sentença de morte para a Amazônia”, afirma.
Aprendizado
O ministro Ricardo Salles, em conversa com o Correio, diz que prefere olhar para a frente, mas reconhece que aprendeu com os desastres ambientais que marcaram 2019, os quais define como “desafios importantes e complexos”. “Você vai aprendendo como os processos podem ser melhorados e como se pode dar uma resposta mais eficiente para a sociedade”, frisa.
“Claro que a gente espera que não tenha mais nenhum problema, mas, se houver algum, nós estaremos aí, como estávamos em todos os que experimentamos neste ano. Estaremos prontos para responder. O governo Bolsonaro não foge de nenhuma responsabilidade”, afirma. Apesar disso, entre os integrantes do alto escalão do governo, Salles foi um que mais colecionou episódios controversos.
O ministro reduziu o número de cadeiras da sociedade civil no Conselho Nacional do Meio Ambiente (Conama); bloqueou 95% do orçamento destinado à implantação de medidas e políticas para combate às mudanças climáticas; criticou a atuação de órgãos como o Inpe, o Ibama e o Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio) — e promoveu mudanças em todos eles.
Para 2020, Salles afirma esperar que uma reorganização financeira traga mais recursos para municípios e estados. Além disso, destaca a agenda para as cidades. “Nós temos a expectativa de que a agenda urbana — saneamento, gestão do lixo e qualidade do ar — possa avançar muito rapidamente a partir do ano que vem”, completa.
Fonte: CORREIO BRAZILIENSE