Enquanto os casos de covid-19 e mortes decorrentes da doença aumentam em todo o país, confirmando o temor de uma segunda onda do vírus no Brasil, o presidente Jair Bolsonaro decidiu abrir mão do dinheiro que o governo arrecadaria com a importação de armas de fogo. A decisão foi publicada na semana passada no Diário Oficial da União. Na prática, o governo deixará de receber R$ 230 milhões por ano ao zerar o imposto sobre importação de armas. Defensor do controle dos gastos públicos, o ministro da Economia, Paulo Guedes, disse ao Congresso Nacional que considera “muito baixo” o impacto financeiro da renúncia fiscal.
Esse valor, no entanto, poderia ajudar no atendimento de pacientes com covid-19, que já matou mais de 180 mil pessoas no país. Levantamento feito pelo Congresso em Foco com base em dados da Universidade de Campinas (Unicamp) mostra que os R$ 230 milhões dariam para montar 1.277 leitos de UTI. Cada um custa, em média, R$ 180 mil. O valor que os importadores de armas deixarão de pagar corresponde ao pagamento de 92 mil diárias de UTI. Um diária custa de R$ 2,5 mil a R$ 3 mil. Em todo o país, milhares de pessoas aguardam uma vaga em unidade de terapia intensiva com casos graves de covid-19. Só na cidade do Rio, mais de 400 pessoas aguardam uma vaga na rede municipal, onde todos os leitos para esse tipo de tratamento estão ocupados.
O dinheiro que o governo deixará de levantar ao zerar o imposto de importação de armas também poderia enfrentar os casos de subnotificação do coronavírus no Brasil. Seria possível comprar 3.285.714 testes do tipo PCR, ao custo de R$70 cada. Os testes PCR são mais confiáveis e apontam a existência de vírus em amostras.
Desde o início da pandemia, o governo mantém uma postura pouco transparente sobre quantos testes vem fazendo por milhão de habitantes. Em agosto, mesmo segundo o segundo país em número de mortes por covid-19, o Brasil era apenas o 64º em número de testes proporcionais à sua população. Na semana passada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a extensão da validade de 7 milhões de testes estocados pelo Ministério da Saúde.
O valor poderia também paramentar equipes médicas em todo o país. A Unicamp calcula em cerca de R$ 22 o kit com touca, avental bilaminado, avental de TNT, máscara de três camadas e máscara N95, equipamentos essenciais para atividade em centros hospitalares que combatem a doença. Os R$ 230 milhões da isenção garantiriam ao menos 10,4 milhões de kits médicos com todos esses produtos.
A alíquota zero na importação de armas foi uma promessa de campanha do presidente Jair Bolsonaro a sua base de apoiadores. Na prática, o Ministério da Economia altera a Tarifa Externa Comum (TEC), para reduzir dos atuais 20% para 0% o Imposto de Importação das armas. A medida vale a partir de 1º de janeiro. Defensor da austeridade fiscal e crítico de renúncia de impostos, o ministro Paulo Guedes deu razão ao chefe ao livrar a importação de revólveres e outras armas de fogo de imposto.
Em audiência em comissão mista do Congresso que acompanha as ações do governo no combate à covid-19, na última sexta-feira, Paulo Guedes disse que houve “interpretações infelizes” sobre a isenção da tarifa para armas durante a pandemia.
“O presidente tinha uma pauta durante a campanha e a pauta era justamente obedecer o plebiscito que foi feito sobre desarmamento. Houve um plebiscito, o povo brasileiro votou. E aí o presidente fala assim: ‘Olha, gostaria que fosse reduzido essa tarifa'”, afirmou o ministro da Economia.
“Não está violando nenhum câmbio nosso porque nós estamos baixando as tarifas em geral. Vou baixar a tarifa do arroz, vou baixar a tarifa das armas”, acrescentou. “Agora, que o momento se dá a interpretações infelizes, sim. Se fala: ‘pô, mas na hora que estão precisando de vacina você está facilitando armas?’. O efeito em si financeiro é muito baixo. A isenção o efeito é muito baixo, não causa nenhum… o número é realmente pequeno”, declarou o ministro.
Na opinião dele, o valor que o país deixará de arrecadar com a tarifa zero sobre importação de armas de fogo é insignificante diante dos custos com o auxílio emergencial, por exemplo. “Esses R$ 230 milhões são por ano, anual. Na hora que você reduz a tarifa, são 230 milhões por ano a menos de arrecadação. E nós estamos falando de auxílio emergencial R$ 50 bilhões por mês”, comparou.