Essa é a conclusão de um estudo da FEA-USP (Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo).
Para diminuir a desigualdade, dizem os pesquisadores, o governo teria que aumentar a carga de impostos sobre os mais ricos e derrubar a regra do teto de gastos, que congela os gastos públicos por 20 anos, permitindo apenas a correção pela inflação.
O estudo conduzido pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made) analisou três propostas cogitadas pelo governo nos últimos meses para bancar o Renda Brasil (ou Renda Cidadã), que pode ampliar e substituir o Bolsa Família em 2021.
Os pesquisadores também elaboraram quatro alternativas para financiar o que eles consideram que seriam um programa mais eficiente na redução de desigualdades. Todas elas trazem um aumento do Imposto de Renda pago pelos 20% mais ricos, mas só seriam viáveis sem o teto de gastos.
Como não há Orçamento para prorrogar o auxílio emergencial para 2021, o Bolsa Família voltará a ser a principal ferramenta de distribuição de renda no Brasil no ano que vem. O governo busca formas de ampliar o programa respeitando as regras fiscais, incluindo o teto.
Unificar programas, congelar aposentadorias e outros
As primeiras propostas da equipe do ministro da Economia, Paulo Guedes, para expandir o Bolsa Família consistiam em unificar programas. A ideia era acabar com o abono salarial, o seguro-defeso, o salário-família e o Farmácia Popular e usar o dinheiro desses programas para ampliar o Bolsa Família.
Outras soluções estudadas foram o congelamento de aposentadorias e pensões por dois anos e o fim do reajuste do salário mínimo para repor as perdas da inflação.
Nenhuma das propostas agradou Jair Bolsonaro, porque afetam programas de apelo popular. O presidente chegou a dizer em público que não ia “tirar do pobre para dar ao paupérrimo” e ameaçou expulsar da equipe quem insistisse na ideia.
Neste domingo (29), Bolsonaro repetiu a ameaça de “cartão vermelho” para quem falar em Renda Cidadã.
Pesquisadores simularam impacto das medidas Os pesquisadores fizeram simulações para entender qual seria o impacto das medidas citadas na desigualdade.
Foram três cenários:
1. Zerar abono, seguro-defeso e salário família para aumentar em 30% o valor do Bolsa Família e acrescentar 3 milhões de beneficiários;
2. Acabar com reajuste do salário mínimo por dois anos (o que afetaria reajustes de abono salarial, seguro-defeso, do seguro-desemprego, salário-família, BPC —Benefício de Prestação Continuada— e piso das aposentadorias) para aumentar em 30% o valor do Bolsa Família e acrescentar 20 milhões de beneficiários;
3. Congelar por dois anos aposentadorias e benefícios previdenciários para aumentar em 30% o valor do Bolsa Família e acrescentar 56 milhões de beneficiários.
Efeito quase nulo na desigualdade O estudo conclui que as propostas 1 e 2 não interferem na renda dos 10% mais ricos. Como limita aposentadorias e benefícios, a proposta 3 reduz um pouco a renda de todas as camadas sociais, mas a redução é menor para os mais ricos.
No melhor cenário (proposta 3), o índice de Gini, que mede a concentração de renda, cairia apenas 2,3%, impacto considerado quase nulo pelos pesquisadores. O índice, de 0,557 em 2018, cairia para 0,544 nesse cenário. Quanto maior o índice, maior o abismo entre ricos e pobres.
O índice do Brasil é semelhante ao de países como Moçambique e Belize. Está atrás de vizinhos como Argentina (0,414), Bolívia (0,422) e Paraguai (0,462). Países que são referência em distribuição de renda, como Noruega e Islândia, têm índice próximo de 0,265.
Imposto para ricos ampliaria Bolsa Família Hoje, o Bolsa Família paga R$ 48, em média, por pessoa.
O estudo tem quatro propostas, aumentando esse valor para: R$ 125 mensais, para os 30% mais pobres R$ 150 mensais, para os 30% mais pobres R$ 125 mensais, para os 50% mais pobres, com o fim do abono salarial, seguro-defeso e salário família R$ 125 mensais, para os 50% mais pobres Todas essas propostas seriam financiadas com aumento do IR (Imposto de Renda) para os 20% mais ricos da população.
O estudo divide esses 20% mais ricos em quatro grupos:
1% mais rico (renda média tributável de R$ 20.938 por mês)
4% seguintes (renda média tributável de R$ 7.368 por mês)
5% logo abaixo (renda média tributável de R$ 3.869 por mês)
10% que completam o grupo (renda média tributável de R$ 2.424 por mês).
Quanto maior a renda, maior seria a contribuição proporcional no IR para financiar a expansão do Bolsa Família. Essa regra já existe, mas a distribuição das alíquotas é considerada insuficiente.
Fim de deduções do IR Rodrigo Toneto, economista que participou do estudo, afirma que não seria necessário aumentar a alíquota do IR, mas sim acabar com deduções de gastos como plano de saúde e escola particular. O ministro Paulo Guedes (Economia) apoia o fim das isenções. Na primeira proposta, a mais tímida formulada pelos pesquisadores, o 1% mais rico pagaria 10% a mais no IR. Com isso, o índice de Gini cairia para 0,526 —uma redução de 5,6%. Já na quarta proposta, a de maior impacto na desigualdade social, o 1% mais rico pagaria 15% a mais de IR, reduzindo o índice de Gini para 0,508 (-8,8%). Nesse patamar, o Brasil alcançaria um índice de desigualdade próximo ao da Colômbia (0,504), segundo os pesquisadores.
Nas quatro propostas do estudo, a contribuição extra por parte do grupo com renda média de R$ 2.424 não chegaria a 3%.
Revisão do teto de gastos O estudo reconhece que as quatro propostas são inviáveis se for mantido o teto de gastos.
Por causa da lei, mesmo que o governo suba imposto dos mais ricos, não poderá aumentar as despesas. Por isso, os pesquisadores defendem revisar a lei. “Não queremos centrar nossa discussão no fim do teto, mas compreende-se que um programa de transferência de renda com nitidez no enfrentamento da desigualdade social necessita de uma revisão da regra”, afirmou Toneto.
Fonte: UOL