Depois de anos de impasse, o acordo histórico do G-7 (grupo das sete maiores economias) para tributar as empresas multinacionais com alíquota mínima de 15% pode forçar uma mudança no cenário da guerra fiscal entres os países e garantir ao Brasil um ganho de arrecadação de 900 milhões de euros (R$ 5,58 bilhões) ao ano. O cálculo foi divulgado em simulações feitas por pesquisadores do Observatório da Tributação da União Europeia, um laboratório de investigação independente na área tributária com sede na Escola de Economia de Paris.
O estudo considera vários cenários para a implementação do imposto global. Pelas simulações, os Estados Unidos teriam uma arrecadação extra de 40,7 bilhões de euros e a União Europeia mais 48,3 bilhões de euros. Se a alíquota subisse de 15% para 25%, a receita para a União Europeia seria de 168 bilhões de euros e os americanos ficariam com 166 bilhões de euros. Já o ganho para o Brasil subiria para 7,4 bilhões de euros (quase R$ 56 bilhões).
O governo brasileiro não fez ainda uma manifestação oficial sobre o acordo, referendado ontem pelos líderes dos países do G-7 (Alemanha, Canadá, EUA, França, Itália, Japão e Reino Unido). A posição oficial do Brasil deverá ser conhecida na próxima reunião do grupo de países do G-20 (reúne as 20 maiores economias do mundo), quando o acordo será discutido.
Na última semana, representantes da Receita Federal participaram de reunião técnica na Organização para a Cooperação e Desenvolvimento (OCDE), que trabalha em conjunto com o G-20 para buscar solução para o que é conhecido como “erosão da base tributável” dos países com a migração do lucro das empresas para paraísos fiscais e também para a tributação da chamada economia digital.
A erosão ocorre porque as grandes multinacionais migram o “lucro” para países fiscais de baixa tributação. Essa operação é apenas contábil. O movimento das empresas é feito no papel, sem aumento da capacidade produtiva, levando artificialmente os lucros para serem tributados com uma alíquota muito baixa. Na prática, as multinacionais montam uma subsidiária no paraíso fiscal e fazem uma série de operações contábeis para apurar todo o lucro fiscal por lá.
Durante o governo de Donald Trump, os EUA estavam na contramão do debate. Mas, com a entrada de Joe Biden, os americanos passaram a adotar uma posição conciliatória para buscar a implementação do acordo.
O acordo tem dois pilares. O primeiro, de maior interesse dos EUA, é fixar alíquota mínima para a tributação global das multinacionais de pelo menos 15%. O segundo, de interesse dos europeus, trata da chamada economia digital e da forma de tributação dos serviços intangíveis de grandes empresas de tecnologia (Google, Amazon, Facebook e Apple), incluindo, por exemplo, algoritmos do tratamento de dados personalizados e outros serviços digitais.
“Essas características fazem com que seja mais fácil mover os lucros de um lugar para o outro e no limite não pagar imposto em nenhum”, explica o economista do Ipea, Rodrigo Orair.
Os EUA, onde estão as “big techs”, aceitou tributar parte do lucro dessas empresas no destino (onde o serviço é consumido), e não apenas na origem. Essa era uma demanda dos países europeus e alguns deles já estão cobrando um imposto temporário até que o acordo no G20 seja fechado – a Índia é um dos países que resistem à ideia.
Pacificação
Para Orair, o acordo traz esperança de interrupção de uma espécie de guerra entre os países. Uma situação internacional que é muito parecida com a disputa que ocorre entre os municípios com o ISS (tributo cobrado pelas prefeituras) para atrair grandes empresas. “Alíquotas mais baixas não vão significar o fim de guerra fiscal, já que podem ser adotados mecanismos de dedução maior da base de cálculo do tributo diminuindo o imposto a pagar”, diz Orair. Isso é que foi feito pelos municípios.
Ele avalia que o acordo, porém, foi um sinal de que os EUA se entenderam com os quatro países da União Europeia dentro do G-7 e que a proposta será encaminhada com mais força para acordo dentro do G-20.
“A liderança do G-7 reduz o peso de forças contrárias”, diz Manoel Pires, coordenador do Observatório Fiscal da FGV. Segundo ele, antes do acordo havia pressão para os países tentarem soluções locais, mas sempre houve receio de retaliações.
Pires acredita que a mudança sugere que mais avanços são possíveis. Ele explicou que o imposto global mínimo de 15% se aplica às empresas multinacionais. Por exemplo, caso adote o imposto, o Brasil poderá tributar suas multinacionais.
As alíquotas domésticas continuarão sendo definidas localmente. “No caso de multinacionais, se a empresa for tributada por uma alíquota inferior no país onde o lucro foi apurado (como um paraíso fiscal), o país de origem poderá cobrar a diferença para alcançar a alíquota mínima”, diz Pires. Ou seja, se uma multinacional brasileira é tributada em 2% em um paraíso fiscal, o País poderá cobrar a diferença até alcançar os 15%.
Segundo ele, como no Brasil a alíquota do Imposto de Renda das empresas é alta (34%), é provável que as multinacionais continuem com o incentivo para fazer esse tipo de operação.
Já no caso dos serviços digitais de grandes empresas de tecnologia, Orair afirma que é preciso ter cuidado com a análise do impacto, porque o Brasil tributa as importações de serviços e remessas. Isso fez com que grande parte dessas empresas abrissem filiais no Brasil. Para ter impacto maior, avalia ele, será necessário fechar outras brechas para a erosão. O Brasil, se quiser adotar o imposto global, terá de alterar a legislação do IR local. O avanço no acordo internacional ocorre no momento que o Congresso tenta aprovar uma fatia da reforma tributária.
G-20
Delegado do Brasil nas Organizações Internacionais Econômicas em Paris, o embaixador Carlos Marcio Cozendey avalia que o acordo dos países do G-7 para um imposto mínimo de 15% das multinacionais fomentará negociação mais forte no G-20, mas os principais desafios foram superados. Para ele, serão necessárias muitas etapas técnicas, mas a decisão dos sete países vai criar um empuxo para tentar resolver sua implementação.
Por enquanto foi uma decisão do G-7 sobre alguns pontos centrais que serão apresentados ao G-20 pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). A negociação não inclui só países da entidade, mas vários outros, como o Brasil. A resistência parte não só dos países de tributação baixa, mas dos que não são sede de muitas multinacionais, aqueles em desenvolvimento.
Cozendey destaca a importância do precedente ao estabelecer discussão para uma taxação mínima, que nunca foi aceita. “Isso avançou bastante. Nunca se tinha aceitado discutir um nível de taxação”, afirma.
Ele chama atenção para o fato de que, apesar de se falar num porcentual mínimo, os países não são obrigados a adotar a medida. Esse precedente é importante porque gera consequências indiretas, já que diminuiu o estímulo para que as empresas direcionarem suas sedes, seus “lucros” para países de tributação baixa.
“Todo mundo vinha demonstrando interesse em fazer essa negociação avançar, mas agora que se tem uma proposta clara, com números, os países conseguem avaliar quanto ganham e quanto perdem. Entramos numa fase de negociação digamos quantitativa de países”, prevê.
Alguns países dentro do G-20 são resistentes até mesmo na questão do grau em que deveriam ter acesso na distribuição desses recursos. No Brasil, o nível de imposto das empresas é bem mais elevado, de 34% no IRPJ. A ideia do governo na etapa da reforma tributária no Congresso, que trata do Imposto de Renda, é reduzir a taxação das corporações com a volta da cobrança dos lucros e dividendos na pessoa física.
Para o ex-secretário da Receita Federal, Jorge Rachid, o acordo ainda é incipiente. Para ele, o impacto para o Brasil não será tão grande porque a tributação local é mais elevada. “Nossa tributação é maior. Impacta para países com tributação menor, como a Irlanda”, diz. Na prática, significa que, se a Irlanda não subir para 15%, os países poderão cobrar a diferença. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.
Fonte: Isto É