A novela da incidência do ICMS na transferência de bens e mercadorias

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Julgamento no STF, que está suspenso, levou à formulação de duas teses sobre a modulação

A incidência do ICMS na transferência de bens e mercadorias entre estabelecimentos de um mesmo titular, ainda que localizado em diferentes unidades federativas, é debatida desde a década de 1970. Isso antes mesmo da promulgação da Lei Complementar 87/1996 (Lei Kandir), desde a época do ICM que antecedeu o ICMS.

Desde aquela época, já existem posições do Supremo Tribunal Federal (STF) no sentido de reconhecer que o fato gerador do ICM pressupõe a circulação da mercadoria. E, nesse passo, os ministros da Corte entendiam que a “circulação” seria um negócio jurídico no qual ocorra a mudança de titularidade do bem (tradição da coisa a um terceiro).

Em 1996, mesmo ano em que entrou em vigor a Lei Kandir, o STJ fixou o entendimento firmado na Súmula 166 no sentido de que: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

Nesse sentido, é necessário questionar: por que os estados, mesmo com a posição contrária dos tribunais, permaneceram efetuando a cobrança do ICMS nas transferências, internas ou interestaduais, e autuando contribuintes que não efetuaram o recolhimento do imposto?

Até a propositura da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49, embora houvesse inúmeros precedentes privilegiando a posição já assentada da não tributação nesse tipo de transferência, não havia uma decisão firmada com efeitos erga omnes, isto é, eficácia para todos.

Em 19 de abril de 2021, foi julgada improcedente a Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 49, que declarou inconstitucional o artigo 11º, §3º, item II, o artigo 12, item I e o artigo 13, §4, da Lei Kandir.

Assim, por unanimidade, o STF afastou a incidência do imposto nas transferências realizadas entre estabelecimentos de mesma titularidade.

Apesar disso, tal decisão suscitou novos questionamentos. Dentre eles, destacamos os seguintes: como tratar aqueles créditos que já foram apropriados pelos contribuintes anteriormente à decisão? Como tratar a transferência de novos créditos gerados a fim de evitar o acúmulo em estabelecimento que tenha saída isenta? A decisão tem aplicabilidade instantânea ou há um prazo para os estados se adequarem?

Para dirimir estes pontos, o estado do Rio Grande do Norte opôs Embargos de Declaração, em 13 de maio de 2021, buscando a modulação da decisão.

No julgamento dos Embargos de Declaração, iniciado em 3 de setembro de 2021, houve inicialmente um posicionamento do ministro Edson Fachin no sentido de os efeitos da decisão passarem a valer a partir do início de 2022.

Por outro lado, o ministro Luís Roberto Barroso emitiu um voto-vista divergente, tendo se posicionado no sentido de defender que o julgamento tenha efeito a partir de 2023, além de se debruçar sobre a questão dos créditos gerados, o que levou à adequação do voto do ministro Fachin.

Posteriormente, houve o pedido de vista do ministro Dias Toffoli e voto-vista divergente. Atualmente, existem duas posições sobre a modulação dos embargos:

  • Tese 1 – A partir de 2023

Os estados têm até 2023 para disciplinar a transferência de créditos, caso não o façam o contribuinte passa a ter o direito à transferência.

Ministros: Edson Fachin (relator), Cármen Lúcia, Ricardo Lewandowski e Luís Roberto Barroso (havia divergência no voto inicial, mas foi ajustada)

  • Tese 2 – 18 meses a partir da data de publicação da ata de julgamento dos embargos

Reconhece o direito de manutenção do crédito pelo contribuinte, mas defende que a forma da transferência do crédito do estabelecimento de origem para o estabelecimento de destino depende da aprovação de Lei Complementar sobre acerca do tema.

Ministros: Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Luiz Fux

Atualmente, o julgamento encontra-se suspenso. O ministro Nunes Marques pediu vista.

Em suma, considerando a decisão já assentada sobre o mérito da ação, há hoje duas teses sobre a modulação de seus efeitos. Uma levanta a necessidade de os estados disciplinarem a transferência de créditos até 2023, sob pena de o contribuinte ter seus créditos reconhecidos e passíveis de transferência para outros estabelecimentos de sua titularidade.

A segunda tese reconhece o direito ao crédito do contribuinte, mas determina a necessidade de aprovação de Lei Complementar para definir como deverá ocorrer a transferência dos créditos, além de estipular que os efeitos do julgamento ocorrerão após 18 meses da publicação do acórdão.

De qualquer forma, é importante salientar que existe no Senado o PL 332/2018, citado inclusive no voto do ministro Toffoli, que visa a vedar a incidência do ICMS nas transferências entre estabelecimentos de mesma titularidade.

Cabe agora aguardar o fim do julgamento e esperar a decisão definitiva do Supremo. Caberá, ainda, a possibilidade de o contribuinte que queira ver garantido seu direito de transferência isenta poder buscar o seu direito perante o Judiciário.

Fonte: JOTA

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