Autoridade monetária alerta que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos de baixa no preço em curto prazo, como as alterações na tributação de combustíveis, podem elevar os prêmios de risco e pressionar o índice
O risco fiscal da adoção de políticas que impliquem aumento de gasto neste ano eleitoral, como as propostas para reduzir a tributação de combustíeis, pode pressionar a inflação e manter a elevação da taxa de juros na economia brasileira. O alerta foi feito na ata da reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) divulgada nesta terça-feira pelo Banco Central (BC).
Na última reunião, o BC elevou a taxa Selic para 10,75% ao ano e indicou que continuará fazendo elevações, embora em ritmo mais lento e sem indicação da magnitude. A avaliação do Copom é de que há risco de desancoragem das expectativas para prazos mais longos, em função das incertezas no cenário fiscal, o que exige uma política monetária mais contracionista.
A aposta do mercado é de que 2022 feche com os juros em 11,75%, mas esse valor pode ultrapassar a barreira dos 12% ao longo do ano. Analistas ouvidos pelo GLOBO projetam que a taxa básica de juros pode superar essa marca e fechar o ano em 12,50%.
“O Copom reitera que o processo de reformas e ajustes necessários na economia brasileira é essencial para o crescimento sustentável da economia. Esmorecimento no esforço de reformas estruturais e alterações de caráter permanente no processo de ajuste das contas públicas podem elevar a taxa de juros estrutural da economia”, alerta em ata.
Medidas mais imediatistas estão na mira da autoridade monetária. “O Comitê nota que mesmo políticas fiscais que tenham efeitos baixistas sobre a inflação no curto prazo podem causar deterioração nos prêmios de risco, aumento das expectativas de inflação e, consequentemente, um efeito altista na inflação prospectiva”, argumentam.
Por isso, após a elevação de 1,5 ponto percentual da última reunião, que resultou na Selic de 10,75%, o ritmo de alta vai reduzir. “Concluiu-se que um novo ajuste de 1,50 ponto percentual, seguido de ajustes adicionais em ritmo menor nas próximas reuniões, é a estratégia mais adequada para atingir aperto monetário suficiente e garantir a convergência da inflação ao longo do horizonte relevante, assim como a ancoragem das expectativas de prazos mais longos”, diz o documento.
Aperto monetário
A avaliação de Piter Carvalho, economista da Valor Investimentos, é que esta ata do Copom foi mais dura que a própria carta que Roberto Campos Neto escreveu para justificar o descumprimento da meta de inflação em 2021 e mostrou claramente como a condução da política fiscal está prejudicando a política monetária.
— Essas políticas de curto prazo são mais eleitoreiras e só jogam o problema para o próximo ano, porque aumentam o risco Brasil, aumentam o prêmio de risco que vamos pagar para quem investir aqui e gera mais inflação — analisa.
Para ele, o controle da inflação será uma tarefa árdua ao longo de 2022, que deve culminar em uma Selic acima do patamar dos 12% ao fim do ano. Além de fatores que o BC não pode controlar – como o preço das commodities, combustíveis e energia e a condução da política fiscal com o Executivo jogando contra – há o cenário externo:
— O Banco Central mostra que vai continuar subindo os juros, mas não dá previsão porque ainda precisa calibrar e fará isso agora porque o mudo começa a falar em aperto monetário, como na zona do Euro e Estados Unidos. O BC ‘queimou a largada’, se antecipou e elevou os juros e isso pode ser perigoso, porque vai fazer a corrida de novo. Vamos ver como vai ficar esse acerto do compasso.
Para Camila Abdelmalack, economista chefe da Veedha Investimentos, o reforço da preocupação com os impactos da política fiscal no resultado da inflação teve a pontuação “discreta” sobre a PEC dos Combustíveis, mas é um alerta que já vem sendo jeito há mais tempo e que pode influenciar no resultado final da Selic em 2022.
Ela lembra que desde que o BC acelerou o passo da elevação da Selic, com subidas de 1,5 ponto percentual, houve a flexibilização do teto de gastos, em uma discussão que gerou muito desgaste para a implementação do Auxílio Brasil, com a costura de uma colcha de retalhos compartilhada entre Executivo e Legislativo.
— A condução da política fiscal é uma responsabilidade do governo com o Congresso. Tudo isso aumentou o prêmio na curva de juros e induziu essa aceleração no ritmo da Selic. Se não fosse isso, talvez a gente teria uma taxa terminal de Selic de um dígito e não em dois dígitos, porque grande parte desse desencadeamento das expectativas de inflação é por conta da percepção de risco em relação ao fiscal — aponta.
A economista revisou suas projeções da Selic para 2022. Anteriormente, trabalhava com a projeção de 11,50%, mas corrigiu para 12,50%. Ela entende que a próxima reunião, em março, deve ter um reajuste de 1 p.p., seguido de um ajuste residual de 0,75 p.p. em maio, o que encerraria o ciclo de aperto monetário.
— Eles indicaram claramente para essa possibilidade, talvez para o mercado corrigir a expectativa que tem em relação ao fim do ciclo de elevação de juros e eles pesam muito a questão desse susto que a gente pode ter com a política fiscal.
A avaliação de Simone Pasianotto, economista chefe da Reag Investimentos, é de que a ata do Copom passa um recado para o governo de que a condução da política fiscal vem tendo um peso maior para a elevação dos juros do que outras áreas, e que a autoridade monetária seguirá com elevações, embora em ajustes menores que o 1,5 p.p. das últimas reuniões. Nas projeções de Pasianotto, a Selic deve fechar 2022 em 12,25%, com inflação em 5,9%.
— Ficou clara a preocupação com as políticas fiscais, uma crítica com a PEC dos combustíveis. Estão preocupados com o efeito prático dessa política fiscal no combate à inflação. O mercado não está gostando da PEC dos combustíveis, apesar da possibilidade de efeitos positivos no curto prazo.
Bomba fiscal
Desde o início do ano, o governo se debruça em propostas para baixar o preço dos combustíveis, um dos itens que mais pesa na alta da inflação. Dois textos foram apresentados no Congresso.
Na Câmara, uma Proposta Emenda à Constituição (PEC) permite até zerar os impostos federais e estaduais sobre todos os combustíveis e já era vista com ressalvas pela equipe econômica. O Senado apresentou um texto ainda mais amplo. Chamada de PEC Kamikase, além de permitir grande redução de impostos sobre os combustíveis, cria um auxílio para caminhoneiros e pode ter impacto fiscal de R$ 100 bilhões.
A bomba fiscal vem após o governo ter divulgado bons resultados no campo fiscal em 2021. As contas do governo federal fecharam o ano passado com um rombo de R$ 35,1 bilhões, o melhor resultado desde 2014, quando iniciaram os déficits. Já o setor público teve o primeiro superávit desde 2013 e dívida pública caiu.
O bom desempenho foi reconhecido pelo BC, que ainda assim reforçou os alertas em relação ao cenário futuro.
“Apesar do desempenho mais positivo das contas públicas, o Comitê avalia que a incerteza em relação ao arcabouço fiscal segue mantendo elevado o risco de desancoragem das expectativas de inflação, e, portanto, a assimetria altista no balanço de riscos. Isso implica maior probabilidade de trajetórias para inflação acima do projetado de acordo com o cenário de referência”, diz o texto.
Alta na Selic
No cenário para inflação em 2022, o Copom considera que pode haver algum alívio vindo da redução dos preços das commodities internacionais. A elevação dos preços dos alimentos foi um dos fatores que vem pressionando a inflação desde 2020.
Mas as políticas fiscais que impliquem em impulso adicional da demanda agregada ou que piorem a trajetória fiscal podem ter efeito oposto, afetando preços de ativos e elevando prêmios de risco do país.
Nessa situação, a opção foi por um ciclo de aperto monetário e virão mais altas na taxa Selic virão por aí. “A incerteza particularmente elevada sobre preços de importantes ativos e commodities, assim como o estágio do ciclo, fez o Comitê considerar mais adequado, neste momento, não sinalizar a magnitude dos seus próximos ajustes’, diz a ata.
Fonte: O Globo