Para Eduardo Fagnani, o debate sobre a reforma da Previdência é desonesto: “a mentira é repetida porque não há argumentos”

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“Reforma da Previdência: Um debate desonesto” foi o tema do seminário promovido pelo Sindicato dos Fazendários do Ceará na manhã desta quinta-feira (4/7), no auditório da Sefaz. Inspirado no título do próximo livro do professor doutor Eduardo Fagnani, do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (IE/UNICAMP), o evento contou com a participação do deputado estadual pelo PCdoB-CE, Carlos Felipe, do diretor de Aposentados e Pensionistas da Fenafisco, Celso Malhani, e do diretor de Assuntos Econômico-Tributários do Sintaf, Pedro Vieira, que atuaram como debatedores.

 

 

Além dos fazendários cearenses ativos e aposentados, o evento teve a participação de servidores de outros órgãos estaduais e federais, a exemplo das secretarias da Saúde e Educação, Ministério Público do Ceará, Tribunal de Contas do Estado e Receita Federal.

 

 

Antes da reforma

 

 

Na abertura do seminário, o diretor de Organização do Sintaf, Lúcio Maia, discorreu sobre o orçamento da seguridade social, que engloba saúde, assistência e previdência. “O orçamento da União de 2019 destinou R$ 1 trilhão para a seguridade social. O governo afirma que a Previdência tem déficit e se a reforma não for feita as pessoas não receberão seus benefícios no futuro. Mas não fala que desde 1994, com a Emenda Constitucional nº 01, começou a retirar 20% do orçamento da seguridade social através da Desvinculação das Receitas da União (DRU), o governo Temer aumentou esse percentual para 30%. Isso não é dito para a sociedade. Para começar a discutir reforma da Previdência, é preciso revogar a DRU”, apontou Lúcio Maia. “Enquanto isso, o governo federal gastou, em 2018, com o serviço da dívida pública, R$ 1,066 trilhão, o que corresponde a 39% do seu orçamento”.

 

 

Outro ponto que não se discute, conforme ressaltou o diretor, é o benefício chamado de juros sobre capital próprio, que vigora desde 1995. “A empresa que opta por esse benefício tem sua base de cálculo do imposto de renda reduzida em 50%. Em 2018, R$ 200 bilhões deixaram de ser arrecadados pela União por conta desse benefício. E esse prejuízo não é contabilizado apenas para a União, mas também afeta estados e municípios, que recebem recursos através do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que são compostos pelo Imposto de Renda e Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI)”, explica Lúcio. “Se esse benefício não existisse, o Ceará teria recebido R$ 1,072 bilhão de reais de FPE a mais no ano passado”, completou.

 

 

Para Lúcio Maia, quem está pagando pelo ajuste fiscal é a sociedade. “O debate é desonesto e precisamos esclarecer a sociedade. Apesar das últimas alterações, mesmo maquiada pelo parlamento, a proposta continua nefasta e atingirá a sociedade de um modo geral, principalmente a classe trabalhadora. Se ela for aprovada, a tendência é a supressão do direito de aposentadoria. Ou o trabalhador não se aposentará ou se aposentará com proventos menores. Por isso não podemos deixar que essa proposta seja aprovada”, conclamou.

 

 

Os verdadeiros déficits

 

 

Em sua palestra, o professor doutor Eduardo Fagnani destacou que o problema no Brasil não é o déficit da Previdência e sim o déficit de capitalismo e o déficit de democracia. “Déficit de capitalismo porque não existe capitalismo sem consumidor. E o que estamos vendo no Brasil, com a reforma trabalhista, é o rebaixamento dos salários dos trabalhadores e com a reforma da previdência nós estamos acabando com um dos mais importantes mecanismos de distribuição de transferência de renda que existem no Brasil”, enfatizou.

 

 

O professor destacou que o impacto da reforma vai muito além. “Hoje temos 35 milhões de pessoas que recebem proventos no valor do piso do salário mínimo; essas serão as mais afetadas com essa reforma. Essas pessoas consomem esses recursos do dia 1º ao dia 10 de cada mês. Ao receber o benefício, vão à farmácia, ao supermercado, pagam a conta da água e da energia, e estimulam a economia”, afirmou. “A reforma vai retirar a renda dessas famílias e isso terá repercussão no nordeste, nos pequenos municípios. Isso vai aumentar o êxodo rural, e a migração das regiões mais pobres para as mais ricas”.

 

 

Outra questão é o déficit de democracia, já que essa grande parcela da população não está representada no Congresso Nacional. “O parlamento representa alguns grandes setores econômicos e isso se reflete nas decisões do País”, destacou o professor.

 

 

O debate desonesto

 

 

O livro “Previdência: Um debate desonesto”, que será lançado em breve, é quase um grito indignado de tudo o que o professor está assistindo. “Gostaria que esse livro interferisse no debate, antes das votações”, manifestou.

 

 

Segundo Fagnani, o governo não tem diagnóstico sobre a situação da Previdência – e isso é intencional. “O governo vai reformar o regime geral da previdência social, a previdência do trabalhador urbano, rural, quem recebe o Benefício de Prestação Continuada (BPC) e abono salarial. Se eu somar essa população, são 38 milhões de benefícios diretos. Se essas pessoas tiverem mais dois membros na família, estamos falando de 110 milhões de pessoas que recebem cerca de R$ 1.300 reais. Eu pergunto: onde tem privilegiado aí? No entanto, 92% da economia do R$ 1 trilhão do Paulo Guedes – 92% em 20 anos – vem do INSS urbano, INSS rural, BPC e abono salarial”.

 

 

Para o professor, o debate é desonesto sob vários aspectos. “Antes se falava em mitos; hoje é fake News, falsa verdade, sem embasamento cientifico”, criticou. Ele deu exemplos: “Fala-se que o Brasil gasta, por ano, R$ 700 bilhões com previdência e 70 bilhões com educação, e afirmam: um país que gasta dez vezes mais com velhos que com jovens não tem futuro. É mentira. A maior parte do gasto com educação não é o governo federal, mas estados e municípios”.

 

 

Outra falsa verdade é a afirmação que o gasto com previdência é o maior gasto do Brasil. “É mentira. Em 2015, gastamos R$ 504 bilhões com os juros da dívida pública e R$ 490 bilhões com o regime geral da previdência social. O regime geral, como eu disse, beneficia direta e indiretamente 120 milhões de pessoas. Os juros beneficiam uma centena de especuladores que não colocam dinheiro na economia”, denunciou.

 

 

“O terrorismo demográfico é o pior de todos. Quem não é especialista, cai nessa mentira. Dizem que hoje temos cinco trabalhadores ativos para custear o provento de um aposentado, e que no futuro vai ter um ativo para um aposentado e a conta não vai fechar. Mas escondem que a previdência não é financiada apenas pelo trabalhador? Nosso sistema é tripartite: o financiamento vem do empregado, empregador e governo”.

 

 

Outra mentira amplamente divulgada é que a previdência tem déficit. “Não há déficit, pois a Constituição assegura esses recursos através do sistema tripartite de financiamento. Isso é praticado pelos países desenvolvidos desde a 1ª guerra e se expandiu na 2ª guerra. Hoje, nos países europeus, em média 55% da proteção social é custeada pelo governo através de fontes gerais, através da tributação progressiva de renda e patrimônio, que financia educação e saúde gratuitas”, asseverou. “O déficit da previdência só aparece porque não se contabiliza a parte do governo. É um desprezo à Constituição”.

 

 

Outra questão relevante apontada por Fagnani é o mito da casualidade absoluta. “Os defensores da proposta dizem que com a reforma da previdência serão criados oito milhões de empregos e que a taxa de desemprego vai voltar para 6%. Falam a mesma coisa da dívida pública. Essa relação não existe. E por que o governo fala isso? Porque não pode falar a verdade. A verdade é que essa reforma não é necessária. O real objetivo é fazer ajuste fiscal em cima das camadas mais pobres. A mentira é repetida porque não há argumentos”, denunciou.

 

 

Indagado sobre as alternativas à reforma da Previdência, o professor Eduardo Fagnani citou diversas premissas constantes na proposta de Reforma Tributária Solidária, desenvolvida por uma equipe de especialistas, com sua participação. O projeto é da Associação Nacional dos Auditores Fiscais da Receita Federal (ANFIP) e da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco). “Foram dois anos de trabalho; nós fizemos diagnósticos e propostas. Tecnicamente é possível aumentar tributação sobre renda e patrimônio em R$ 350 bilhões. Cerca de metade disso viria de uma tabela progressiva do imposto de renda, somada à cobrança de dividendos e o fim dos juros sobre capital próprio”, afirmou. “Com a nova tabela do imposto de renda, a maior taxação seria apenas sobre 720 mil pessoas – isto representa 1,7% de um universo de 30 milhões de contribuintes. O governo teria mais R$ 170 bilhões por ano taxando realmente quem teria que taxar”, explicou o professor. “Outro ponto seria o combate às isenções fiscais. O governo federal abre mão de 400 bilhões por ano com esses benefícios, o que representa 20% da sua receita”.

 

 

O papel dos sindicatos e trabalhadores

 

 

Para o diretor de Assuntos Econômico-Tributários do Sintaf, Pedro Vieria, que participou do evento como debatedor, o discurso dos defensores da reforma utilizam falsas informações de má fé. “É um projeto político. Não é a dona de casa que repassa fake news por whatsapp. Isso é feito por profissionais para criar esse ambiente de percepções equivocadas. Nós temos que ter muito cuidado. Há pessoas defendendo equivocadamente esse projeto cruel e desumano”, alertou. Para combater retrocessos, o diretor indicou um caminho: a luta, através das manifestações de rua.

 

 

O diretor de Aposentados e Pensionistas da Fenafisco, Celso Malhani, recordou a recente manifestação política a favor da reforma da previdência. “Quando perguntados sobre pontos específicos, não souberam responder do que se tratava”, lamentou. “Essa reforma está sendo feita para surrupiar os ganhos dos trabalhadores ativos, aposentados e pensionistas. Quando o governo retira os ganhos dessas pessoas, estes recursos são destinados para outro lugar. Isso é transferência de renda para quem tem o poder e o domínio sobre a política no nosso país”, denunciou.

 

 

Para o deputado Carlos Felipe, a luta continua. “Há espaço para trabalhar até o final desse semestre, além do período em que a proposta tramitará no Senado. “Temos que intensificar essa luta e diminuir os prejuízos. Cada um de vocês pode fazer o contato direto com os deputados federais. Pelo que estamos acompanhando, a grande maioria dos deputados do Ceará está contrária à reforma. Se dependesse do Ceará, essa reforma não passaria”, reforçou o deputado.