Militar com 48 anos de caserna, general Santos Cruz diz não se abalar com ”baixarias” e ”tiroteios do Twitter”. E é categórico em relação aos nostálgicos do AI-5: ”Isso aí é desconexão com a realidade. É caso clínico. Tem que levar ao psicólogo”
AD Ana Dubeux CA Carlos Alexandre de Souza RS Renato Souza
Abatido em pleno voo pelo gabinete do ódio que influencia o Planalto, o general Carlos Alberto dos Santos Cruz constatou que a artilharia de grupos radicais não se limita aos conflitos armados, tal como vivenciou nas missões da ONU no Congo, país africano mergulhado em longa guerra civil. Os torpedos compartilhados na internet pelos radicais bolsonaristas que o derrubaram da Secretaria de Governo da Presidência, em junho de 2019, ainda provocam estrago em reputações e tumultuam o ambiente republicano. Na semana passada, Santos Cruz se manifestou contra um post no qual aparece a imagem de quatro generais, atualmente na reserva e lotados no Palácio do Planalto, vestidos de farda militar. “Isso aí não pode. Você está iludindo a população de que a instituição está bancando. Não é assim”, criticou Santos Cruz nesta entrevista ao Correio. O extremismo assume essa proporção, em parte alimentado pelo próprio estilo “explosivo” do presidente Bolsonaro, de seus ministros e seguidores mais exaltados. Mas, segundo o general, a sociedade brasileira está farta de tanta polarização: “O povo quer tranquilidade e desenvolvimento”. Militar com 48 anos de caserna e chefe da maior missão de combate realizada pela Organização das Nações Unidas, Santos Cruz diz não se abalar com “baixarias” e “tiroteios do Twitter”. E é categórico em relação aos nostálgicos do AI-5: “Isso aí é desconexão com a realidade. É caso clínico. Tem que levar ao psicólogo”.
Como o senhor avalia o veto ao trecho da lei que concede mais poder para parlamentares em relação às emendas impositivas?
Existe essa disputa sobre parte do orçamento. E eu acho que o veto deve ser mantido. Tenho conhecimento de como funcionam as emendas parlamentares. Tem as impositivas, as que não são impositivas. Todo esse bolo dá uma boa base para os parlamentares fazerem a sua política local. No nosso sistema é importante que o Executivo tenha uma parcela forte de recurso para poder implementar aquilo que ele pensa. A disputa é essa.
A disputa entre o Palácio do Planalto e o Congresso se concentra então em cima do orçamento?
Neste momento, sim. Mas tem sempre muitas pautas. Toda essa agitação é em torno desse veto. Agora, está havendo uma agitação muito grande, mas não tem nada de excepcional. Isso daí vai ter que ser discutido este ano outras vezes e no ano que vem, também. Discussão entre Executivo e Legislativo é normal. Toda semana tem. Ou é legislação, ou é o pacote do Moro. Mas o clima esquentar é normal.
Concorda com a tese de que temos um parlamentarismo branco?
Não. Essa é só a questão do orçamento. E isso vai ser resolvido. Achar que o Congresso, e o próprio presidente, não estão acostumados com discussão difícil… Eles estão acostumados. Isso não tem segredo nenhum. A dinâmica da democracia é assim mesmo. Vocês viram que nos Estados Unidos o presidente sofreu um processo de impeachment. O que aconteceu? As instituições funcionaram. Ele perdeu na Câmara, ganhou no Senado. Na imprensa, alguns são a favor, outros contra. E a vida segue. Instituição forte é o que faz democracia. E democracia é feita neste jogo todo de pressão. Então estamos vendo essa retórica toda, onde um fala mais forte, fala mais alto. Mas isso faz parte de todo esse contexto. Quantas vezes vimos alguém se exaltar na Câmara? No final vai dar tudo certo. As instituições não vão parar por causa disso.
Então não era motivo para fazer a convocação do dia 15 de março?
A convocação tem outro componente. Temos que voltar algumas eleições. A eleição da Dilma Rousseff foi uma eleição absolutamente convencional, de grande mídia, de marqueteiro. Quatro anos depois, mudou tudo. Se entrou em um sistema onde a mídia social passou a ser a estrela da festa. Então a participação popular se tornou completamente diferente. E aqueles grupos que participaram de eleição de campanha estão, ainda hoje, com a mesma energia. São pequenos grupos, mas que continuaram na mesma dinâmica de eleição. O presidente não, no outro dia, ele tem uma responsabilidade muito grande. Ele tem que deixar a eleição e passar a governar. Mas aqueles grupos de sustentação, principalmente aqueles de caráter ideológico mais radical, continuam com a mesma dinâmica.
Que grupos são esses?
Se você observar em grupos de WhatsApp, você continua recebendo propagandas, montagens daquela época. Esses grupos vão continuar. Você tem pouquíssima gente, mas de ideologia muito acirrada. Onde aquilo que não é a seu favor é criminalizado.
Existe um movimento para manter o clima de eleição vivo?
Não é isso. Mas é fanatismo ideológico. Então, hoje tem um componente externo que acaba fazendo pressão. Temos grupos de pressão. Na democracia tudo funciona com núcleos de poder. Na democracia tem o Legislativo, Executivo, Judiciário, a imprensa, o Ministério Público. E hoje temos mais um, que é a mídia social.Você tem de tudo na mídia social. Tem gente que colabora com uma ideia. Tem gente que criminaliza tudo, que quer chamar o Congresso todo de marginal. E não é nada disso. É uma instituição que tem seus problemas, como todos os grupos têm, como as famílias têm. E tem gente boa, que não é tão eficiente, mas é uma instituição que funciona. Tanto que aprovou a Previdência no ano passado.
A crise é alimentada por esses radicais?
A Previdência foi aprovada em um governo que está sem base parlamentar. A realidade não é isso que esse pessoal fica retratando aí, não. Não estamos na beira do precipício, não é nada disso. Com relação ao orçamento, tenho certeza de que o Congresso vai perceber. E tem outras coisas para se negociar em política. O que não pode é achar que aquele que cedeu perdeu. Não é assim em política. Ninguém perdeu nada. Não é uma guerra de vitória e derrota. Se for encarar a política deste jeito, a administração pública está perdida. Mas onde que entra todo esse contexto de catástrofe? Porque é uma enxurrada de pressões. A retórica deles, do próprio presidente. O estilo dele, o estilo do filho.
Esse estilo atrapalha?
O problema não é de atrapalhar. É uma questão de adaptação.
E ele vai se adaptar?
Ele pode se adaptar um pouco. Mas o pessoal também tem que se adaptar. Se você vai levar a sério tudo, 100%, das explosões. Não pode levar todas elas a 100%.
O senhor conhece bem o presidente. Esse jeito de ser é personalidade, estilo ou estratégia?
Você não consegue viver 24 horas por dia baseado no planejamento. Você vive baseado no seu modo de pensar e na sua característica. Essa é a característica dele.
Algumas pessoas dizem que é uma estratégia política para se manter em evidência, para tirar a atenção de temas mais importantes…
Não, não. Pode até se ter isso como ideia geral. Mas não se consegue se comportar o tempo todo com planejamento. Se vive por espontaneidade. Agora, se pode ver que a própria manifestação, apesar de ele ter feito vídeo e depois dizer que foi uma coisa pessoal, você começa a ver que tem as mais diversas agendas. Isso daí não vem do presidente. Vem dos grupos. Então tem um grupo lá de São Paulo, do Rio…Um quer fazer manifestação contra o STF. O outro, contra o fulano de tal. Então se começa a ter uma diversificação dessas motivações… Tem de tudo, como apoio ao presidente. Hoje vivemos um fenômeno que é a presença de novos grupos de influência e são fortes.
Esses grupos influenciam muito o governo?
Claro. Porque é um novo componente.
Isso é bom ou ruim?
Depende para quem você dá ouvidos. Nesses grupos todos tem gente radical. Tem gente que faz textos, twitter, editorial criticando, mas dando sugestão. E tem gente falando palavrão, xingando um monte de gente. Tem de tudo. Aí você aproveita do jeito que você quiser.
O presidente Jair Bolsonaro, no cargo que ocupa, não deveria ser mais cuidadoso antes de compartilhar essas manifestações?
Achar alguma coisa, criticar um presidente, uma pessoa que está nesta posição é facílimo. Mas é claro que, em tese, ter cuidado é bom em qualquer lugar. O problema não é esse. A questão é que você não pode exigir que a pessoa mude a característica dela completamente. Esse é o estilo dele. Essas coisas repercutem, dão uma consequência. Mas não quer dizer que na semana que vem ele vai mudar…
Mas existem obrigações, legais, inclusive, que incidem sobre a figura do presidente…
Claro, sem dúvida nenhuma. A legislação, todo mundo tem que seguir. Não tem ninguém acima.
Foi um erro ele repassar um vídeo convocando para protestos?
Uma coisa é eu falar o que eu faria se tivesse na posição. Outra coisa é o que ele faria. Nós estamos lidando com um presidente que tem este estilo. Assim como o menino (refere-se ao deputado Flávio Bolsonaro) falou lá em jogar uma bomba no Congresso. Ninguém vai jogar bomba no Congresso, a bomba não existe. A bomba H não. É uma linguagem figurada.
Mas isso não motiva ações hostis, atentados?
Não. Porque, se você for ver discussões dentro do Congresso, até briga física já saiu.
Mas o presidente tem uma base eleitoral muito grande, sendo alguns radicais… Discursos contra o STF e o Congresso não criam riscos à democracia?
Não cria risco para a democracia. De certa forma, até chama atenção para a necessidade de aperfeiçoamento das instituições. Não adianta querer levar a retórica ao pé da letra. As nossas instituições têm problemas? Têm. Isso em todas elas, não só o Judiciário, não só o Executivo, Legislativo. O aperfeiçoamento tem que ser constante.
Qual é o problema do governo?
Um governo tem problemas naturais. Você tem que resolver problemas de desemprego, econômicos, de saúde, de desigualdade social. Todo governo assume um pacote de problemas. Se você pega o Judiciário, tem problema de funcionamento. Tem que avaliar o porquê de um cara ficar 15 anos para ser preso após cometer crime. As instituições todas têm problemas e sempre vão ter. Não vai se chegar a um estágio perfeito. Tem que ser um aperfeiçoamento constante. E essa dinâmica é a da democracia. Não existe nenhum Congresso no mundo que tenha 513 caras perfeitos. Se você quiser criminalizar o Congresso, a própria imprensa… A imprensa acaba entrando no pacote. A imprensa tem televisão, tem jornal, tem milhares de rádios. Mas na hora do bate-boca, a imprensa vai como um todo, que nem o Congresso. Não é por aí. A imprensa tem que ficar livre, que ela vai se ajeitando.
O general Heleno errou ao criticar o Congresso e falar que o governo não poderia cair em chantagem?
Foi uma retórica forte. Aí vem uma retórica forte do outro lado também. Mas ninguém vai dar tiro em ninguém. Quando você tem uma retórica muito forte, você tem que saber que a reação também vai ser forte. Claro que, pelo estilo, tem gente que fala mais forte. Mas isso tudo vai se ajeitando.
O destempero do general Heleno prejudica o governo?
Não. Acho que o que prejudica o governo não é o temperamento do presidente, do Heleno, de ninguém. O que prejudica o governo hoje é a interferência de grupos ideológicos muito radicais.
Existe uma pressão por parte deles?
Eles criam animosidade.
É o caso do Olavo de Carvalho?
Não dou essa importância pra ele. São poucos, mas que causam um problema muito grande. Esse fenômeno todo tem que ser analisado.O governo Bolsonaro é legítimo, ganhou a eleição. Quem perdeu perdeu. Inclusive não se vê hoje uma oposição organizada, com um partido central. Não tem base parlamentar do outro lado. Então está tudo favorável para ser um governo tranquilo. Mesmo o presidente sendo um cara explosivo. Mas aí entram grupos que atacam pessoas, a reputação das pessoas, ataques pessoais, que não são bons. Isso tumultua e temos tumultos muito setorizados. E é impossível hoje evitar essa participação de todo tipo de gente.
Quem tem um comportamento explosivo pode colocar tudo em risco no cargo de presidente. Pode criar instabilidade?
Eu não vejo nenhum risco de instabilidade. É um presidente democraticamente eleito. Se você concorda ou não com o estilo, é outra história. Mas a instituição funciona. Tem um Congresso que funciona, mesmo alguns não gostando de algumas coisas.
A participação das Forças Armadas na política traz mais estabilidade ou desestabiliza?
Aí é um outro ponto. Não são as Forças Armadas que participam da política. Eu participei do governo, eu sou general. Mas eu não represento as Forças Armadas, eu fui lá individualmente.
Mas é um general com grande influência sobre os demais…
Sim. Mas isso pelo título que se tem. Pela instituição de origem. O meio militar tem a estrutura dele e a hierarquia. Mas o grande número de militares da reserva pode transmitir essa ideia. Mas as instituições militares estão completamente apolíticas.
A ideologia do governo não penetra nas instituições militares?
Todo militar é eleitor. Assim como eu votei no Bolsonaro. Mas isso é individual. A nossa formação não permite que o comportamento político-partidário invada o trabalho. Mas pode transmitir para as pessoas a ideia de que tem um vínculo institucional, mas não tem.
Os militares em anos iniciais não podem confundir as coisas?
Eu tenho 48 anos de vida militar. Não passa.
A cabeça do senhor é diferente do militar da base, em ano obrigatório, por exemplo…
O soldado temporário não está em um nível decisório. Tem um fator importante que é a liderança militar. A estrutura é muito hierarquizada. O comandante, por exemplo, o general Pujol, do Exército. Ele não precisa nem falar. A coisa é tão estruturada que ele repassa algo para o alto comando, que passam aos generais de brigada e em uma semana está todo mundo sabendo. A reunião do alto comando é transmitida até embaixo.Tem um sistema em que as Forças Armadas ficam imunes ao sucesso ou fracasso do governo. Porque todo governo tem erro e acerto. Esses aí também têm algo que vai dar certo e algo que vai dar errado.
Mas o presidente utilizou a imagem das Forças Armadas na época da eleição…
O posto dele, como capitão, ajudou? Pode ser que tenha ajudado. Como o Exército é uma instituição de prestígio muito alto, assim como eu, que tenho o título de general, me beneficio de uma imagem profissional. Mas dentro de quartel não se pode fazer campanha.
Como avalia a greve de policiais militares no Ceará?
Eu fui secretário nacional de segurança pública. Nós temos a Polícia Militar, Polícia Civil, bombeiros, perícia, a antiga polícia técnica. A primeira coisa é que a PM não tem uma lei orgânica. Precisa disso. É para que todas as polícias, por exemplo, tenham o mesmo sistema de promoção. Tenham os mesmos percentuais de aumento salarial. Tenham a mesma formação. No Rio Grande do Sul o cara já se forma capitão, e no outro estado se forma tenente. No outro, o governador tem que promover, e às vezes porque é do partido dele. Tem que padronizar, desde o uniforme até a promoção.
Há algo mais?
A segunda coisa é a parte salarial. Tem polícia que tem gente no topo, o outro lá, em baixo, na escala. É preciso acertar isso. Mas o pacote não é só de salário. Para polícia, ter assistentes sociais é fundamental. O número de policiais com problemas emocionais é grande. O índice de suicídios é 5 vezes maior que na média da população.Tem ainda um outro componente, que é essa situação de Polícia Militar. O militar tem suas características. O sistema de serviço, a sindicalização, o excesso de politização. Tem polícias hoje onde se trabalha um dia e folga três. Tem policial que trabalha um dia e folga quatro. Isso em 30 dias, dá 10 dias de serviço. Qual é o homem ou a mulher que fica um dia trabalhando como policial e três dias parado? Você vai fazer outra coisa. Essa outra coisa que se faz em três dias passa a ser mais importante do que se faz em um dia só.Tem que mexer nesse negócio todo. Aí você dá o status de militar.
PM pode fazer greve?
Tem que obedecer à hierarquia, a parte disciplinar. Então não pode fazer greve, não vai ganhar hora extra. Mas hoje, em todos os estados tem o serviço voluntário. Faz a mesma coisa, serviço policial, fardado. Da mesma forma que tem que resolver os problemas da polícia, não pode aceitar certas condutas. Não pode aceitar greve, o cara encapuzado, depredação de patrimônio.
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FONTE: CORREIO BRAZILIENSE