Debate avança e reforma tributária será nova prioridade no Congresso

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Dois textos tramitam hoje, mas um parece ter preferência. Nordestinos exigem manutenção de incentivos fiscais e Rodrigo Maia quer aprovação logo nos primeiros meses

Por Carlos Holanda

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia (DEM-RJ), já sinalizou: a reconfiguração do sistema tributário brasileiro receberá dedicação absoluta dos parlamentares na volta do recesso parlamentar, prevista para 3 de fevereiro. Acostumado a dar as cartas no Legislativo, como se viu durante a tramitação da reforma previdenciária, Maia quer ver as propostas debatidas num período de tempo não maior que cinco meses. Com eleições municipais batendo as portas, o número de licenças e faltas pode prejudicar o trânsito das redações pelas casas legislativas, o que possivelmente se agravará à medida em que o dia 4 de outubro se aproxime.

Para que a fatura seja liquidada antes da metade do ano, então, uma comissão formada por 15 deputados e 15 senadores deve ser instalada logo no início do retorno às atividades, como modo de conciliar propostas da Câmara dos Deputados (PEC 45/2019), Senado Federal (PEC 110/2019) e Governo Federal. O Poder Executivo, contudo, ainda não apresentou uma ideia, formalmente.

É neste cenário que a proposta da Câmara encontra mais força, atualmente, entre os deputados, dispondo inclusive da preferência do próprio Rodrigo Maia. Dos políticos ouvidos por O POVO, todos apontam simpatia pela proposta adotada pelo deputado Baleia Rossi (MDB-SP), redigida pelo economista Bernard Appy, ex-secretário de Políticas Econômicas do governo Lula.

Ciente das finanças do Ceará, titular da pasta da Fazenda durante anos seguidos, e atento às discussões no parlamento enquanto deputado, Mauro Filho (PDT) interpreta que a reforma tributária em tramitação não deveria ficar restrita à simplificação de impostos pela via da união de cinco tributos (ver infográfico). Alguns pontos, de acordo com ele, necessitam de mudança sob pena de não aprovação do texto nas casas legislativas.

“Não faz sentido comprar um carro e pagar IPVA (Imposto sobre a propriedade de veículos automotores) e um rico comprar barco ou avião e pagar zero de IPVA. Tem que ter reformulação da estrutura do patrimônio”, ele lista, “e também tem que haver alteração no Imposto de Renda, especificamente na divisão de lucros e dividendos”, diz, sobre um aspecto ausente na PEC 45.

No Brasil, lucros de empresas são tributados,  os dividendos, aquela parte dos ganhos repartida entre os acionistas, não.  Embasa esta realidade o argumento de que, se for tributado, seria caso de bitributação.  “Não faz sentido você aí  ganhar R$ 10 mil e pagar Imposto de Renda e o banco, quando distribui dividendos para seus acionistas, não pagar nada. Três pessoas receberam três bilhões, cada um de determinada instituição financeira”, alarma.

Mauro Filho também destaca como decisiva para o apoio ou não da bancada nordestina, formada por 151 representantes, a retirada dos incentivos fiscais. Por vezes, condições geográficas e financeiras tornam algumas localidades menos atrativas a quem produz e emprega, caso do Nordeste. O incentivo é instituído para atenuar o quadro.

Se retirado, diz ele, há que se ter um mecanismo de compensação, como um Fundo de Desenvolvimento Regional. O coordenador da bancada nordestina, deputado Júlio César (PSD-PI), argumenta que a Região merece tratamento, senão igual, similar ao que é ao que ocorre com a Zona Franca de Manaus, em Amazonas.

“Mas que os valores sejam parecidos pelo menos quando existia o Finor (Fundo de Investimentos do Nordeste).” O território foi criado no início do governo Juscelino Kubitschek (1956-1961), marcado pela industrialização, e ampliado e reconfigurado em 1967, já na Ditadura Militar (1964-198). Ali, há a concessão de benefícios e isenção de impostos a quem se instalar. Passados mais de 50 anos, o polo industrial busca novos caminhos para não obsolescer.

O conflito de interesse e, portanto, de argumentos fica evidente na fala de parlamentares sudestinos. Voz do partido Novo no debate da matéria, o deputado federal Alexis Fonteyne (Novo-SP) avalia que a ideia de Appy deixa o País nos trilhos das melhores práticas internacionais. “Mexe num tributo que é o consumo, não fala em propriedade, não mistura muito as conversas”, diz. Ainda que admita que os tópicos entrarão no raio do confronto de ideias, renda e propriedade não devem ser priorizados.

“Vai ter que vencer algumas barreiras. Falta de consenso entre empreendedores, mercado (financeiro), população. Há a Zona Franca de Manaus e alguns estados, por exemplo, vão precisar de Fundo Regional, provavelmente”, enumerou o correligionário de Fonteyne, o também deputado Vinicius Poit (Novo-SP).

Fundamental neste processo é o deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), relator da proposta. Ele foi procurado via WhatsApp e ligação telefônica, mas não respondeu até o fechamento desta reportagem.

O choro de Rodrigo Maia (DEM-RJ) no último dia 10 de julho após aprovação da reforma da Previdência em primeiro turno, resultado sobretudo de esforços empreendidos por ele ao longo de nove meses de tramitação do texto, poderá se repetir na avaliação de estudiosos. Isto é, em face de um Governo Federal inábil no aspecto da articulação política, o Legislativo corre para ter, novamente, protagonismo no transcorrer de debate considerado importante. E este papel de destaque recai sobre os ombros de Maia.

“Não tenho nenhuma dúvida que o protagonismo na reforma continuará no Legislativo, sob liderança de Rodrigo Maia. E os fatos comprovam isso. O governo não conseguiu apresentar sua versão de reforma tributária. Bateu cabeça, o Ministério da Economia muito focado na reforma previdenciária perdeu tempo demais discutindo a proposta do Marcos Cintra (demitido), que acabou abandonada”, diz o cientista político Magno Karl.

O professor do Instituto Mackenzie (SP), Rodrigo Prando, sublinha que, passada a tramitação do novo conjunto de regras para a aposentadoria, nenhum dos movimentos do Planalto é sintomático de dias politicamente mais estáveis.

Em referência indireta ao conceito de presidencialismo de coalizão, cunhado no Brasil primeiramente por cientista político e autor Sérgio Abranches, Prando classifica os gestos do presidente e liderados como de um “presidencialismo de confrontação”. Apesar da imperícia demonstrada, o professor pondera que Paulo Guedes pode ser agente de construção de entendimentos pelo lado do governo.

Joga a favor do governo Bolsonaro o ambiente que, conforme prossegue o professor, agora parece ser favorável à evolução da proposta. “Provavelmente a aprovação da reforma da Previdência, que passou sem grandes protestos no Brasil, tenha dado esse confiança”, teoriza.

Apesar de qualquer inabilidade, Karl concorda que o governo terá ganhos políticos com a aprovação do redesenho tributário.Talvez maiores que os da reforma da Previdência, inclusive, assunto tido como impopular e com economia refletida a médio ou longo prazo. No caso da próxima reforma, embora haja transição, os efeitos de um sistema mais simplificado poderão ser sentidos mais facilmente. “Mostra que o governo está comprometido com a agenda, cumpre com o que promete”, adiciona.

Para Prando, “seria segundo degrau que se subiria na tentativa de apresentar agenda liberal e uma adequação do Brasil às práticas do mundo”. (Carlos Holanda)

Fonte: O POVO

Link: https://mais.opovo.com.br/jornal/politica/2020/01/26/debate-avanca-e-reforma-tributaria-sera-nova-prioridade-no-congresso.html

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