CEARÁ: Mulheres graduadas ganham 35% menos que homens com a mesma escolaridade

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| Ceará | Mesmo sendo maioria no ensino superior, as mulheres recebem salários inferiores a de homens com a mesma escolaridade. Em matrículas, elas são 165.762 (55,2%) contra 134.229 de homens em 2019 no Ceará

Por Ítalo Cosme

O salário médio das mulheres com ensino superior completo, contratadas em 2019, no Ceará, foi de até R$ 748,55 menor que o dos homens de igual escolaridade admitidos no mesmo período. Em 2018, a diferença nas contratações era de R$ 708,19. O crescimento da desigualdade de um ano para o outro foi de 5,7%. Na região Nordeste, o Estado está em segundo lugar em pior diferença entre os salários. Mulheres nessas federações recebem somente 73,65% do rendimento dos homens. Só a Bahia tem piores disparidades: o rendimento feminino corresponde a apenas 70,81% da remuneração masculina.

Em média, enquanto mulheres graduadas ganham R$ 2.092,05, homens recebem R$ 2.840,60 no Ceará, 35% a mais. Apesar da disparidade, 21,2 mil das vagas disponíveis no mercado foram preenchidas por profissionais do sexo feminino contra 14,8 mil por profissionais masculinos em 2019. O levantamento é do Quero Bolsa, plataforma de vagas e bolsas de estudo no ensino superior, com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de 2019.

Mesmo com salário proporcionalmente menor, as mulheres são maioria no ensino superior, com 165.762 matriculadas (55,2%) contra 134.229 homens. O relatório “Education at Glance de 2019”, da Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico (OCDE), concluiu que as brasileiras têm 34% mais chances do que os homens de finalizar essa etapa do ensino. No entanto, as chances de conseguir um emprego são menores: a empregabilidade delas é de 82%; a deles, 89%.

Para Celecina Veras, docente do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), o mercado de trabalho no País inteiro é desfavorável, principalmente, às mulheres. “O aumento do desemprego tem abalado muito os direitos trabalhistas. Há um crescimento da informalidade. Isso, associado à questão da autonomia estimulada, reduz os direitos adquiridos ao longo do tempo”, reflete.

A especialista do Núcleo de Estudos e Pesquisa sobre Gênero, Idade e Família (Negif/UFC) frisa que as mulheres sempre trabalharam. Principalmente, as negras. Os setores, segundo ela, expandem essa participação a partir da década de 1970 quando as femininas brancas se inserem no mercado de trabalho. O cenário, no entanto, acentua outras questões, dentre elas, os ramos tidos como exclusivos para homens.

“A gente tem de pensar em termos de áreas. Nas engenharias, por exemplo, há a cultura de ser uma área masculina. A confiança nessas profissionais é menor para ser a responsável. Enquanto na saúde, por pedir um certo cuidado, é o setor onde as pessoas confiam mais nas mulheres”, contesta Celecina. Ela frisa também a contradição por tempo de estudos entre os profissionais. Conforme a Pnad Contínua de 2018, a mais recente, afirma que, por exemplo, mulheres de 25 anos ou mais estudam em média 9,5 anos, e os homens, 9.

A reflexão da professora sobre setores de atuação vai ao encontro do rendimento feminino constatado entre as dez carreiras de ensino superior com maior geração de postos de trabalho em 2019. As mulheres recebem salário menor em cinco delas e maior em outras cinco. As com salários melhores para as mulheres são: psicólogo clínico, enfermeiro, fisioterapeuta geral e avaliador físico.

Vice-presidente do Semesp, Lúcia Teixeira ressalta questões referentes à evolução salarial ao longo da carreira. Enquanto os homens avançam após os 30 anos de idade, as mulheres ascendem pouco, independente da faixa etária. “Ainda há barreiras a serem rompidas, não pela competência feminina. Pelo contrário: há igualdade de competência. Mais ainda: a questão do papel de cuidadora familiar e da maternidade é vista, muitas vezes, pelas empresas, como empecilho. O que não é.”

A porta-voz entende que a profissional feminina pode evoluir bastante independente da faixa etária. Mas acabam estagnadas na carreira por pouca oportunidade de ascensão salarial. “Elas trabalham em casa, trabalham fora mas o salário médio sofre menor variação”.

“Aparentemente, alguém pode não valorizar essa radiografia. Porém, a gente tem muito a comemorar porque senão seria injusto a todos que nos precederam. A tudo que aconteceu. Apontar isso é uma forma de ser corrigido. É uma mudança em andamento. A taxa de admissão feminina é alta. Agora, nós queremos valorização salarial”, reivindica Lúcia Teixeira.

Para Celecina Veras, as empresas devem criar comitês de gêneros para pensar esses dados de gêneros e raças. “Primeiro, fazer perfil em termos de cargos ocupados, raça e salários. Além disso, adotar um programa pró-equidade de gênero e raça a fim de enfrentar esse problema. Dentro do próprio Estado, pensar em políticas públicas. Tendo em vista que não é algo isolado. Mas levar a sociedade civil organizada ao debate”, sugere.

Pilotas de aeronaves recebem acima da média nacional

Entre as dez carreiras com maior abertura de postos de trabalho em 2019, segundo balanço do Quero Bolsa, destaca-se a de piloto de aeronaves. A ocupação aparece em destaque no cenário trabalhista do Ceará por dois fatores. O primeiro devido às mulheres ganharem mais que os homens no segmento e, segundo, por apresentar tal realidade tão distinta da do resto do Brasil.

Enquanto a média salarial para a categoria no País é de R$ 5.323 para os pilotos, as profissionais do sexo oposto ganham R$ 4.177. Diferença de R$ 1.146. No Ceará, a situação se inverte mesmo que sem grandes disparidades. As mulheres ganham em média R$ 141,59 a mais que os homens. Elas recebem R$ 4.406, enquanto eles, R$ 4.264,41.

Um das possibilidades para o fato pode ser o perfil contratado pelas empresas, conforme Pedro Balerini, diretor de inteligência educacional da plataforma Quero Bolsa. Para eles, os homens podem ter sido contratados em início de carreira enquanto as pilotas foram a partir de experiências a mais no currículo. Outra justificativa é a presença do hub aéreo da Air France-KLM/Gol instalado em Fortaleza desde 2018, que pode ter demandado mais profissionais. (Ítalo Cosme)

Diferença salarial no mercado de trabalho privado é de 14%

A mulher recebe um salário 14% inferior ao do homem para ocupar mesmo cargo no mercado de trabalho privado no Ceará, com os rendimentos médios mensais de R$ 1.452 e R$ 1.689, respectivamente. Os dados são do Departamento Intersindical Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (Pnad Contínua) do último trimestre de 2019.

O percentual é o terceiro maior do Nordeste, atrás da Bahia (21%) e Rio Grande do Norte (15%). A maior diferença observada no País está no Mato Grosso do Sul (30%), seguido do Rio Grande do Sul (28%), Paraná e Minas Gerais.

No Brasil, a cada dez diretores e gerentes, somente quatro mulheres ocupavam esses cargos mais elevados, porém, tendo um rendimento 29% menor. Em média, esses ganharam R$ 40 por hora, enquanto elas receberam R$ 29. Já o ganho mensal dos trabalhadores do sexo feminino (R$ 3.876) com ensino superior é 38% menor que os do masculino (R$ 6.292).

A professora Alessandra Benevides, coordenadora do curso de Ciências Econômicas e Financeiras da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Laboratório de Estudos da Pobreza (LEP), explica que a disparidade salarial entre gêneros não é fenômeno brasileiro e tem tido um declínio nos últimos anos, mas ainda está longe de alcançar a equidade.

“Para comprovar os números, são levados em conta fatores econométricos, como a qualificação dos profissionais. No entanto, já se verificou que, mesmo colocando as variáveis, ou seja, a mulher com a mesma formação do homem, ela ainda ganha menos”, frisa.

Alessandra acrescenta que essa discrepância reflete na produção do mercado. “As pesquisas mostram que as mulheres têm mais educação e são mais produtivas. Quando ela enfrenta preconceito, é marginalizada com salários mais baixos, você reduz a produtividade do mercado de trabalho e acaba diminuindo o seu potencial”, complementa.

Além disso, ocorre um empobrecimento da população já que muitas mulheres são chefes da família e arcam com as despesas, impactando nas pessoas que dependem delas para a sobrevivência.

Dentre as alternativas para reduzir a desigualdade de gênero e disparidade salarial, estão os incentivos de contratação de funcionárias e planos de carreiras. Outro ponto seria conceder ao homem a licença paternidade com tempo igual a da mãe para que ele pudesse colaborar mais e permitir que a mulher também foque na carreira profissional.

As mulheres gastaram ainda 95% mais tempo em afazeres domésticos do que os homens. Em média, foram 541 horas a mais por ano, equivalente a 68 dias (considerando uma jornada de 8 horas/dia), segundo o Dieese.

“O empresário vê como um risco contratar mulher porque ela vai se afastar e, teoricamente, se dedicar mais ao filho que ao trabalho. Se houvesse uma espécie de seguro para esse risco, em que o governo entraria incentivando, seria importante”, exemplifica.

Creches

Das mulheres com filhos na creche, 67% tinham trabalho remunerado, segundo o Dieese. Já entre as mulheres cujos filhos não tiveram acesso à creche, somente 41% estavam trabalhando.

A aflição da desigualdade

A educadora física Ada Vasconcelos, 36, observou ainda na faculdade que o tratamento para mulheres na área não era o mesmo dado aos homens. “As pessoas acham que não podemos exercer as mesmas funções técnicas de alguns esportes que eles”, relata, destacando que essa realidade de dez anos atrás, quando se formou, não é muito diferente da atual. Um cenário com poucos avanços na renda da profissional, que ganha menos para fazer o mesmo trabalho do homem.

No Ceará, as preparadoras físicas recebem 27% a menos, conforme o levantamento do Quero Bolsa, com base nos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged) de 2019. “Como personal, os homens ganham muito mais do que eu. A questão de preparação física em time de futebol. O desafio é maior ainda nos esportes coletivos, não apenas no futebol, mas em outras modalidades. É muito raro a gente encontrar uma mulher se destacando, porque acham que não temos essa capacidade”, frisa.

Já nas atuações em academia, ela explica que não teve experiências de menor remuneração. No entanto, observa que ainda há preferência pelo profissional do sexo masculino. “Na visão do público, eles são mais competentes e capazes do que nós. Porém, nós temos a capacidade, sim, e essa diferenciação precisa acabar. Eu nunca deixei de estudar, me qualificar e sou tão competente quanto eles. Infelizmente, não estamos nesse patamar de igualdade com os homens e, até hoje, não sei por que”, questiona. (Bruna Damasceno)

FONTE: O POVO

Link: https://mais.opovo.com.br/jornal/reportagem/2020/03/09/mulheres-graduadas-ganham-35–menos-que-homens-com-a-mesma-escolaridade.html

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