Artigo: “Por que não se fala dela?”, por Luiz Carlos Diógenes

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* Por Luiz Carlos Diógenes (artigo publicado no jornal O Povo)

Em entrevista televisionada na véspera ao consagrado Dia Internacional da Mulher, 8 de março, a ministra do STF Carmen Lúcia trouxe à baila a figura de Bárbara Pereira de Alencar, primeira presa política brasileira, heroína nacional. Para além do resgate esmaecido da memória, a ministra provocou a reflexão profunda, incômoda, tanto ao resiliente e ardiloso androcentrismo quanto ao feminismo desenraizado: “Por que não se fala dela?”

Longe de formular respostas a uma pergunta tão complexa e interdisciplinar, envidaremos esforços para desenrolar este novelo entranhado, acenar uma ponta de lança, subjacente, certeira ao coração empedernido do patriarcado. “Por que não se fala de Bárbara?” remete a trabalho de sapa, de dinamitar fundações, com potencial de abalar estruturas androcêntricas, socialmente naturalizadas.

A quem interessa este memoricídio histórico? Bárbara foi uma revolucionária republicana, de ativismo multifacetado. Sua luta política pela independência do Nordeste brasileiro, do jugo político-econômico português, é apenas uma face que brilha, por conter mais luz acadêmica, sem conseguir ofuscar suas outras faces de luz própria. Ela não abdicou nem mesmo das vontades do coração, ao escolher com quem casar, contrariando um padrão familiar.

A postura estóica encaminhou sua descendência nos valores morais e cívicos da emancipação humana. Não descurou nem mesmo da estética do seu Crato, cidade de adoção, inaugurando e atualizando, na fachada de sua residência, o gosto arquitetônico cultivado no Recife colonial. São manifestações de uma feminista que vai além da curiosidade masculina, além de aplausos femininos para uma mulher que contrariou, e excedeu, os valores reacionários da sociedade em que viveu.

Se o patriarcado do Cariri restou revolucionado, em seu mandonismo misógino, pelo ativismo cultural desta heroína sertaneja, sensível às ideias das revoluções liberais e das ciências naturais do final do século XVIII, o patriarcado de hoje, dissimulado nos paradigmas científicos e sociais, jamais incensaria a práxis exemplar de uma feminista que concretizou igualdade de gênero, desnudando ideologias androcêntricas.

Luiz Carlos Diógenes é coordenador regional adjunto do Sintaf no Cariri

Artigo publicado no jornal O Povo em 24/03/2023, na editoria de Opinião

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