Opinião: O emprego ou o trabalhador

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O mundo está prestes a viver em sociedades de economia e política pós-trabalho, escreve Y. N. Harari. Isso trará a perda de muitos trabalhos tradicionais que serão parcialmente compensados por novos trabalhos humanos. A perda de empregos superará consideravelmente a criação de novos empregos, que, além do mais, exigirão altíssimos níveis de especialização, deixando sem trabalho remunerado os trabalhadores não qualificados. Como se não bastasse ter doze milhões de trabalhadores desempregados, o País e o Ceará discutem a eliminação de cobradores nos ônibus, a dispensa de frentistas nos postos de gasolina e a abolição de porteiros nos condomínios residenciais, tudo em conformidade com o que já ocorre em países de maior renda per capita e maior escolaridade. A sociedade pós-trabalho está chegando sem que tenhamos conseguido universalizar a qualificação e a escolarização de nossa mão de obra. O desemprego estrutural, por oposição a um desemprego circunstancial, aquele causado por crise econômica, está invadindo nossos lares.


 


A questão, no entanto, não é nova; ela está conosco desde o pós-guerra, os anos 50 do século passado, quando impulsionados pela industrialização, a automação e a consequente urbanização, Estados Unidos, Canadá e a Europa ocidental experimentaram anos de prosperidade e de diminuição das desigualdades sociais. Nos países subdesenvolvidos, se discutia se os processos do mundo capitalista avançado poderiam ser replicados em países de capitalismo tardio, como o Brasil. A grande dúvida da então recém-criada Sudene, capitaneada por Celso Furtado, era decidir se se devia optar por uma industrialização mais moderna e produtiva, chamada de “capital intensivo”, ou por uma industrialização menos produtiva, mas protetora e criadora de mão de obra, denominado “trabalho intensivo”. A dúvida era como introduzir no mercado produtivo trabalhadores, homens e mulheres, descendentes de escravos ou de homens livres, sem nenhuma capacitação, qualificação e escolarização, abandonados à mercê da vida. Isto é, a interrogação persegue o País até hoje: o que fazer com os trabalhadores, rurais e urbanos, que deixamos sem qualificação produtiva tanto para o trabalho como para sua própria autoestima e seu bem-estar pessoal, para que possam integrar-se num mundo de conhecimento e de lazer?


 


A marcha para uma sociedade sem emprego nem trabalho, movida a algoritmos e robôs inteligentes, parece inevitável. Sim, o que fazer? Para manter uma boa sociedade, parece necessário proteger, temporariamente, os empregos, enquanto se implanta políticas para proteger o trabalhador, como já faz a sociedade escandinava. Demitir o trabalhador antes de tê-lo qualificado para outro trabalho ou tê-lo preparado para uma sociedade pós-trabalho seria suicídio coletivo. Escolarização, profissionalização e capacitação cultural são os caminhos a seguir antes de desempregar coletivamente, embora saibamos que, logo, haverá necessidade de instituir tanto uma renda básica universal e quanto serviços básicos universais para substituir o desaparecimento da renda proveniente do emprego.


 


André Haguette 


haguetteandre@gmail.com


Sociólogo e professor titular da Universidade Federal do Ceará – UFChaguetteandre@gmail.com.br