A proposta de reforma tributária da gestão de Jair Bolsonaro (PSL) está demorando tanto para ser encaminhada ao Congresso que até a líder do governo, Joice Hasselmann (PSL-SP), já afirma que o Executivo “dormiu no ponto”. Enquanto isso, na Câmara dos Deputados e no Senado, duas propostas já estão em tramitação.
Mas, de acordo com o ministro da Economia, Paulo Guedes, a espera deve terminar em breve. Em entrevista à rádio Jovem Pan, veiculada na última segunda-feira (23), Guedes sinalizou que o texto do governo está prestes a ser encaminhado ao Congresso. De acordo com o ministro, será um projeto “conciliatório”, que vai “acertar o passo” entre os dois projetos já em discussão no Parlamento.
Nesse projeto deve estar incluída a criação de um Imposto Sobre Valor Agregado (IVA) Dual, abertamente defendido pelo ministro. “Já somos simpáticos ao IVA Dual há dois, três anos. Gostamos do IVA porque é um importo ainda atual, que funciona. Gostamos disso, mas somos liberais – e, por isso, não achamos que podemos impor a estados e municípios a sua forma de arrecadação”, explicou o ministro na conversa com a Jovem Pan.
Alteração do sistema tributário em etapas
O que o ministro explicou em poucas palavras está detalhado em um texto publicado pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em setembro de 2018. O documento é assinado por cinco pesquisadores. Entre eles, estão Alexandre Ywata e Adolfo Sachsida, que hoje fazem parte do governo Bolsonaro. Eles ocupam, respectivamente, os cargos de diretor de Controles Internos e Gestão de Riscos da Caixa Econômica Federal e secretário de Política Econômica do Ministério da Economia.
A principal diferença do IVA Dual em relação às propostas do Congresso diz respeito à inclusão de estados e municípios na unificação de impostos sobre o consumo. Enquanto as reformas da Câmara e do Senado propõem a junção dos tributos de uma só vez – incluindo o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que é estadual, e o Imposto Sobre Serviços (ISS), que é municipal –, o projeto do IVA Dual propõe uma unificação em três etapas.
Primeira etapa: mudanças nos impostos federais
A primeira, conforme descrito no texto do Ipea, envolve alterações nos impostos federais. Nesse caso, o Programa de Integração Social (PIS) e a Contribuição para Financiamento da Seguridade Social (Cofins) seriam unificados, se transformando na Contribuição Federal sobre o Consumo (CFC).
Além disso, outra mudança faria com que o Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) passasse a funcionar como um imposto seletivo – o que possibilitaria a tributação diferenciada de produtos como o cigarro e as bebidas alcoólicas. A criação de um imposto seletivo já é uma das premissas da reforma tributária do Senado.
Segunda etapa inclui estados e municípios
Em uma fase posterior, estados e municípios seriam incluídos na reforma. Só então o ICMS e o ISS deixariam de existir, já que passariam a formar um IVA estadual que seria arrecadado no local de destino das mercadorias (e não na origem, como é hoje). Nesse caso, a gestão do dinheiro seria dos estados, mas os municípios receberiam uma parcela da arrecadação.
Como estímulo para a fiscalização sobre o pagamento de impostos pelo consumidor final, além disso, estados e municípios também poderiam criar o chamado Imposto sobre Vendas e Varejo (IVV). O argumento é de que, com um imposto desse tipo, os entes federativos poderiam fazer alterações de alíquotas e conceder benefícios fiscais – o que não será possível no IVA estadual.
Etapa final: padronização da arrecadação entre União e estados
Com essas mudanças, portanto, ficariam em vigor três tipos de de tributos: o IVA, que seria federal e estadual; o imposto seletivo; e o IVV, de origem municipal e estadual.
A partir dessas alterações, poderia ser realizada a chamada “harmonização da arrecadação”. Nessa fase, os estados ficariam livres para adotar, se quisessem, a base e as regras do IVA federal – mantendo, porém, sua prerrogativa de definir a alíquota do imposto.
“A adoção do regime harmonizado dependeria de negociação com o estado, e poderia envolver como contrapartida a ajuda financeira por parte da União”, diz o texto do Ipea.
Facilidade na implementação, mas sem o “pior imposto do país”
Os defensores desse modelo afirmam que uma reforma desse tipo diminuiria o conflito federativo, que existiria se o ICMS e o ISS fossem incluídos no novo imposto logo de início.
“A adoção da contribuição (IVA federal) já representaria um avanço para melhorar o sistema e serviria como modelo para os ajustes nas esferas estaduais e municipais, mesmo que as mudanças nos demais níveis não se concretizassem conjuntamente”, defendem os autores do estudo do Ipea.
Por outro lado, Bernard Appy, idealizador da reforma que tramita na Câmara dos Deputados, já havia sinalizado que considera o ICMS o “pior imposto do país” – e que o haverá impacto positivo sobre o crescimento econômico se esse problema for solucionado pela reforma. “Temos uma carta assinada pelos 27 secretários de Fazenda dos estados pedindo o fim do ICMS e a substituição pelo IVA”, disse o economista em entrevista à Gazeta do Povo em agosto.