O futuro dos povos indígenas no Governo Bolsonaro

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Declarações e medidas adotadas pelo presidente eleito apontam ameaças aos interesses indígenas no País. Especialistas e representantes dessa população temem retrocessos


 


Passadas as eleições, e antes mesmo de assumir, o presidente eleito Jair Bolsonaro (PSL) já deu inúmeras declarações entendidas, não só pelos povos indígenas do Brasil, como ameaças. Uma das falas mais diretas e contundentes nesse sentido se deu ainda em 5 de novembro, durante entrevista ao apresentador José Luiz Datena, da TV Bandeirantes: “Eu tenho falado que, no que depender de mim, não tem mais demarcação de terra indígena”, sentenciou.


A frase elevou a tensão entre as comunidades indígenas e trouxe o tema da demarcação ao centro do debate nacional. “Foi uma surpresa. A gente não esperava um ataque direto e frontal logo após as eleições. Remonta uma violação aos direitos humanos. Uma declaração infeliz que demonstra incoerência e desinformação. O direito aos territórios indígenas é originário, é constitucional”, critica o vereador cearense de Caucaia Weibe Tapeba (PT).


“A gente não esperava um ataque direto e frontal logo após as eleições”, diz Weibe Tapeba, vereador em Caucaia e membro do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas (Foto: Mateus Dantas/O POVO)


Assessor jurídico da Federação Estadual dos Povos Indígenas do Ceará e membro do Conselho Nacional de Políticas Indigenistas, Weibe lamentou o que chamou de “inversão de valores” posta para o próximo ano, pois é atribuição da União proteger as terras indígenas. Porém, conforme o parlamentar, a expectativa é que ataques futuros contra essa população partam do próprio Planalto.


“Foi uma manifestação muito evidente da tentativa de defender os interesses do agronegócio no Brasil, especialmente da bancada ruralista, que vem ganhando muita força nos últimos anos. É a bancada mais forte dentro do Congresso Nacional”, completa.


 


Corroboram com essa ideia declarações posteriores de Bolsonaro. No último dia 17, ele afirmou que pretendia explorar, “de forma racional, e no lado dos índios, dando royalties e integrando o índio à sociedade”, as riquezas da reserva indígena Raposa Serra do Sol, que ocupa 1,7 milhão de hectares no estado de Roraima, abrigando aproximadamente 17 mil indígenas de cinco etnias.


 


No dia seguinte, o presidente eleito recuou. É que a demarcação já foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal (STF), ainda em 2009. “Quem sabe um dia o Supremo acorde para isso e nos ajude a fazer com que essas reservas venham a ser exploradas, com racionalidade, obviamente, em benefício do próprio povo indígena”, disse, em transmissão ao vivo pelo Facebook.


Também contrariando os anseios dos povos indígenas, Bolsonaro decidiu que a Fundação Nacional do Índio (Funai) deve deixar a composição do Ministério da Justiça, passando a integrar o futuro Ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos, que será liderado pela atual presidente da Frente Parlamentar Agropecuária, Tereza Cristina (DEM).


Por fim, Bolsonaro anunciou que criará um conselho para discutir as demarcações, formado por representantes dos ministérios da Agricultura, Defesa, Meio Ambiente, Mulher, Família e Direitos Humanos e do Gabinete de Segurança Institucional. Em meio às idas e vindas de um jogo político que causa preocupação aos povos indígenas, O POVO discute o que estará em jogo para essa população, a partir de 2019.


O que diz a Constituição


 


As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios são bens da União, conforme o artigo 20.


 


Capítulo VIII (sobre os índios):


Art. 231 – São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens.


§ 1º São terras tradicionalmente ocupadas pelos índios as por eles habitadas em caráter permanente, as utilizadas para suas atividades produtivas, as imprescindíveis à preservação dos recursos ambientais necessários a seu bem-estar e as necessárias a sua reprodução física e cultural, segundo seus usos, costumes e tradições.


§ 2º As terras tradicionalmente ocupadas pelos índios destinam-se a sua posse permanente, cabendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes.


§ 3º O aproveitamento dos recursos hídricos, incluídos os potenciais  energéticos, a pesquisa e a lavra das riquezas minerais em terras indígenas só podem ser efetivados com autorização do Congresso Nacional, ouvidas as comunidades afetadas, ficando-lhes assegurada participação nos resultados da lavra, na forma da lei.


§ 4º As terras são inalienáveis e indisponíveis, e os direitos sobre elas, imprescritíveis.


§ 5º É vedada a remoção dos grupos indígenas de suas terras, salvo, ad referendum do Congresso Nacional, em caso de catástrofe ou epidemia que ponha em risco sua população, ou no interesse da soberania do País, após deliberação do Congresso, garantido, em qualquer hipótese, o retorno imediato logo que cesse o risco.


§ 6º São nulos e extintos, não produzindo efeitos jurídicos, os atos que tenham por objeto a ocupação, o domínio e a posse das terras a que se refere este artigo, ou a exploração das riquezas naturais do solo, dos rios e dos lagos nelas existentes, ressalvado relevante interesse público da União, segundo o que dispuser lei complementar, não gerando a nulidade e a extinção direito a indenização ou a ações contra a União, salvo, na forma da lei, quanto às benfeitorias derivadas da ocupação de boa-fé.


O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias definiu que a União demarcaria as terras indígenas em cinco anos, a partir da promulgação da Constituição (1988).