O desafio da reforma tributária na transformação social e econômica do Brasil

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O economista Lauro Chaves diz que a simplificação tributária pode melhorar o ambiente de negócios nacional, mas acredita que a reforma não vai resolver a problema do “Custo Brasil”

Atualmente, mais de 50 tributos, entre taxas, impostos e contribuições revelam a complexidade de um modelo fiscal que necessita, principalmente, de simplificação no Brasil. A reforma tributária, promulgada pelo Congresso Nacional no fim de 2023 e que segue em fase de regulamentação, prevê arranjos e instrumentos para desembaraçar esse sistema complexo, mas o impacto e a efetividade ainda são incertos. Além disso, os tributos cobrados sobre a renda e o patrimônio dos cidadãos e das empresas não são alvo desta etapa inicial da reforma e podem ter grande impacto na eficácia e resultados.

Todo o arcabouço da reforma parte, principalmente, da substituição de três impostos (IPI, ICMS e ISS) e duas contribuições (PIS e Cofins) pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e pela Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que juntos formarão o Imposto de Valor Agregado duplo (IVA Dual).

Nesse contexto, unificar impostos e simplificar o sistema de cobrança pode gerar mais transparência sobre o que o consumidor está pagando e encorajar uma maior responsabilidade fiscal. Além disso, um ambiente de negócios estável e previsível é crucial para fomentar a economia.

“A simplificação melhora a atividade econômica, reduz a burocracia e facilita a entrada de mais empresas, gera mais investimentos e mais empregos”, avalia o vice-presidente do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon-CE) e gerente-executivo do Banco do Nordeste (BNB), Wandemberg Almeida.

Na opinião dele, a reforma tributária pode trazer um processo inflacionário, porém defende que será passageiro. “Isso vai gerar uma certa intranquilidade inicialmente, mas teremos adequações ao longo do tempo para que os setores possam se adaptar e, assim, os custos sejam reavaliados. No longo prazo, esse efeito inflacionário vai deixar de existir”, acrescenta.

Professor da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e presidente da Academia Cearense de Economia (ACE), Lauro Chaves Neto diz que a simplificação tributária pode melhorar o ambiente de negócios nacional, mas acredita que a reforma não vai resolver a problema do “Custo Brasil”, expressão usada para se referir a um conjunto de dificuldades estruturais, burocráticas, trabalhistas e econômicas que atrapalham o crescimento do País.

Impacto

Conforme a Confederação Nacional da Indústria (CNI), a estimativa é que o “Custo Brasil” retire R$ 1,5 trilhão por ano das empresas do País, representando 20,5% do Produto Interno Bruto (PIB).

“Precisamos ter muita prudência, porque ainda não se sabe qual vai ser a alíquota do IVA, que está estimada em torno de 27% e 28% e, ainda assim, seria o maior no mundo. Então, teremos uma simplificação, mas nada garante que vai ter uma redução da carga tributária”, observa Lauro Chaves.

“No Brasil, além da carga tributária ser elevada e do sistema fiscal ser um pandemônio, a cobrança é muito injusta. A tributação é muito maior para quem tem menos e, muitas vezes, quem poderia pagar mais não é tributado. Isso acontece porque a maior parte da nossa carga tributária está resumida em impostos sobre o consumo. É preciso ter um imposto maior sobre renda, patrimônio, lucro e herança. É isso que é feito na maior parte dos países desenvolvidos, e o que levaria a uma justiça tributária e social muito mais efetiva”, acrescenta.

Para o pesquisador sênior do Observatório de Finanças Públicas do Ceará (Ofice/Fundação Sintaf), Lúcio Maia, no momento em que se tributa mais o patrimônio e a renda de forma progressiva, e se tributa menos os bens e serviços, fatalmente se gera mais justiça fiscal.

“Qualquer país que queira se desenvolver tem que fazer a sua carga tributária progressiva, ou seja, cobrar mais tributo de quem tem maior poder aquisitivo, para que essa receita arrecadada possa ser aplicada em políticas públicas. Mas isso precisa ser feito de maneira substancial. Acabar com o benefício fiscal, o chamado juros sobre o capital próprio, em que você reduz a linha do pagamento de imposto de renda em 50%, para voltar a cobrar esse imposto na sua base integral”, explica.

A aplicação da reforma tributária também pode encontrar obstáculos devido a interesses políticos e diferenças regionais, particularmente na distribuição das receitas tributárias entre estados e municípios. O Fundo Nacional de Desenvolvimento Regional (FNDR) é um instrumento criado pela reforma tributária para mitigar as desigualdades regionais e sociais, mediante repasses da União para a realização de estudos, projetos e obras de infraestrutura.

“Nós não sabemos exatamente quais são as fontes de recursos do FNDR e muito menos como será a sua aplicação e distribuição. As bancadas do Norte, Nordeste, Centro-Oeste precisam estar atentas no Congresso Nacional para que o desenvolvimento regional continue sendo uma prioridade dentro do nosso arcabouço fiscal e tributário”, destaca Lauro Chaves.

É um imenso desafio reduzir as resistências políticas e regionais, mas a única saída é o diálogo, diz o presidente da Fenafisco

“Os tributos arrecadados têm uma finalidade, e a essência dessa finalidade é que os recursos voltem para a sua própria população”, Francelino Valença, presidente da Fenafisco.

Prometendo simplificação e gerando incertezas, a Reforma Tributária foi aprovada no final de 2023 e aguarda regulamentação. Nesta entrevista, o presidente da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco), Francelino Valença, nos conduz por uma análise perspicaz sobre as expectativas em relação à regulamentação da reforma, os desafios para garantir justiça social, o impacto do novo sistema tributário no contexto socioeconômico nacional e as estratégias para enfrentar resistências políticas e regionais, além de abordar participação da entidade no debate da reforma tributária. Com insights valiosos, Valença destaca a importância do diálogo, da política responsável e do exercício da cidadania para alcançar um sistema tributário mais justo e eficiente no Brasil.

O Otimista – Como a Fenafisco participou do processo de debate para a construção da reforma tributária?
Francelino Valença – A Fenafisco, nos últimos anos, participou de uma série de seminários, simpósios, conferências, congressos, debatendo o nosso sistema tributário, inclusive após a elaboração do nosso estudo, conhecido como Reforma Tributária Solidária, que fez um diagnóstico de nossa matriz e quais seriam os caminhos a serem adotados para termos um sistema tributário semelhante ao de países desenvolvidos, que promovesse, dentre outras coisas, uma justiça tributária e uma dinamização da economia.

Mais recentemente, durante a tramitação da PEC 45 e da PEC 110, que culminaram com a aprovação da Emenda Constitucional 132, ou seja, a Reforma Tributária sobre o Consumo, a Fenafisco participou de inúmeras audiências públicas, tanto na Câmara como no Senado, apontando pontos que necessitavam de alteração para que não houvesse nenhum prejuízo para a população. Dentre eles, destacamos o fim de um instituto que continha na PEC 45, que era o Conselho Federativo. Esse instituto iria suprimir todo o poder tributante dos entes federados e com sérios riscos, inclusive de segurança jurídica para o contribuinte de acesso aos dados. Seria um instituto que em nada contribuiria para um aprimoramento do nosso sistema. Apontamos também algumas necessidades de melhorias, bem como alguns pontos que precisavam ser aperfeiçoados, e alguns deles foram acatados pelo Parlamento nos inúmeros debates que participamos, audiências públicas. Enfim, contribuímos de forma a lançar um pouco mais de luz sobre certos aspectos que mereciam ser aprimorados.

Então a Fenafisco não só atuou como está atuando sempre em prol, no caso, do sistema tributário, e em defesa da população ao qual essa matriz incide. E pretendemos continuar, neste momento, em relação à regulamentação da reforma tributária sobre o consumo, sempre propondo sugestões, com o objetivo de torná-lo não só mais simplificado, como também mais efetivo, mais justo e mais eficiente.

O Otimista – Para a entidade, o texto promulgado no fim do ano passado é ideal para trazer mais justiça social ao Brasil?
Francelino – Infelizmente nós não podemos afirmar isso. Para que isso acontecesse, seria necessário que nós reduzíssemos, de fato, um percentual razoável da carga tributária que incide sobre o consumo e transferíssemos para a renda e o patrimônio. Isso não foi feito. Ou seja, não há mudança, repito, não há mudança na modulação da carga tributária. Quer dizer que nós não mudamos a face perversa e regressiva do nosso atual sistema. Para isso acontecer, seria necessário que nós aumentássemos a tributação sobre a renda e sobre o patrimônio e reduzíssemos sobre o consumo, compensando-os, nos aproximando dos índices aplicados pelos países desenvolvidos, que compõem notadamente a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). Como isso não foi feito, infelizmente nós continuaremos com o sistema tributário regressivo, penalizando as pessoas que têm menor poder aquisitivo.

O Otimista – O que esperar da regulamentação da reforma?
Francelino – Em relação à regulamentação, nós temos que ficar atentos para que ela não traga prejuízo para os entes federados, os estados e os municípios, notadamente, e muito menos para a população. Como houve o comando constitucional para a simplificação, outros aspectos são necessários, notadamente de como esse sistema vai funcionar e de como as administrações tributárias dos três entes federados irão desempenhar as suas funções a serviço da sociedade. Então, todos nós precisamos observar de que maneira essa regulamentação deverá ser feita nas propostas de leis complementares, para que a busca pelo bem público seja o principal norte da essência dos dispositivos que serão apresentados nas respectivas leis complementares.

O Otimista – De que forma o novo sistema tributário deve refletir no contexto socioeconômico nacional?
Francelino – Nós ainda não poderíamos dizer que tivemos uma reforma ou um novo sistema tributário. Nós tivemos uma pequena reforma tributária sobre uma das bases de incidência dos tributos, que é o consumo. Falta, além disso, uma reforma sobre a renda e o patrimônio.

Mas há estudos que apontam uma melhoria no ambiente de negócios e uma consequente melhora na economia, em decorrência da redução de toda a burocracia que nós temos e das inúmeras legislações dos entes federados, que passaram a ser unificadas. Isso, por si só, tende realmente a contribuir. Mas nós não podemos olvidar que uma das coisas mais importantes para o crescimento econômico, além de tantos outros fatores, é o aumento da renda da população, notadamente daquelas parcelas que têm menor poder aquisitivo. Quando se aumenta a renda dessa parte da população, o consumo aumenta, o dinheiro circula e a economia sempre, sempre melhora. Há, de fato, estudos que apontam uma melhora na economia, ao longo dos anos.

O Otimista – Como articular estratégias eficazes para enfrentar as resistências políticas e regionais que possam surgir durante a implementação da reforma, levando em consideração os desafios relacionados à distribuição de receitas entre estados e municípios?
Francelino – Essa é uma questão muito difícil de responder. É um imenso desafio reduzir as resistências políticas e regionais, mas a única saída para que essa resistência seja mitigada é fazendo algo que parece que nós estamos esquecendo, que é o diálogo. A política também é a arte do diálogo, da conversa. Através da política é possível modificar o mundo, mas falamos da boa política. A boa política tem que ser o necessário e fundamental instrumento para a regulamentação da reforma, levando-se em consideração a diversidade regional e os inúmeros interesses dos grupos que fazem parte desse país.

E se todos eles abrirem mão de parte de seus aspectos individuais e pensarem na coletividade, na política do ganha-ganha, na boa política, então é possível que todos sejam sensibilizados e busquem, de fato, que a reforma seja implementada visando, acima de tudo, o bem comum. Se, além disso, houver intransigência no rumo que se busca, que é beneficiar todo o país e fomentar o desenvolvimento e reduzir as desigualdades sociais e regionais, os instrumentos podem ser implementados de forma mais efetiva, com muito menos resistência.

Contudo, se não houver princípios republicanos pelos inúmeros grupos de pressão que debatem, aí, de fato, a resistência tende a aumentar e, ao final, será difícil que não haja prejuízo para alguma parte, para alguma região ou para o todo. Então, a busca pelos princípios constitucionais nos aponta o caminho a seguir. E o caminho sempre é o bem coletivo. Será possível fazer, desde que todos nós possamos nos despir de algo que não seja a busca por esses princípios norteadores.

O Otimista – Como podemos assegurar que o Brasil maximize o retorno dos valores arrecadados em tributos, considerando a posição desfavorável revelada pelo Índice de Retorno de Bem-Estar à Sociedade (IRBES), em comparação com outros países de carga tributária similar? (Entre os 30 países com a maior carga tributária, o Brasil é o que proporciona o pior retorno)
Francelino – Para que tenhamos o melhor retorno dos tributos arrecadados, é fundamental que exerçamos a nossa cidadania, cobrando dos nossos representantes eleitos que ajam de acordo com os princípios republicanos e com os mandamentos constitucionais. Especialmente, que exerçam o seu mandato, seja no Legislativo ou no Executivo, tendo sempre como finalidade a implementação do nosso estado de bem-estar social, que é um dispositivo constitucional fundamental, alicerce de todo o arcabouço construído. É fundamental que todos nós tenhamos em mente que os tributos arrecadados, todos eles, têm uma finalidade, e a essência dessa finalidade é que os recursos voltem para a sua própria população. De forma alguma possam ser utilizados em benefício de algum segmento específico, em detrimento de toda uma nação.

Precisamos exercer a cidadania e aprender a cobrar o efetivo e o melhor exercício possível do mandato. Afinal, o mandato é nosso, nós que o outorgamos para os nossos representantes por um período determinado e desde que eles façam desse mandato um instrumento de avanço, de melhoria, de progresso para o nosso país.

Fonte: O Otimista

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