Por Letícia Lima e Márcio Dornelles,
O pivô da suspeita de ilicitude é uma candidata a deputada estadual que recebeu R$ 150 mil da direção nacional da sigla e teve baixa votação. Casos semelhantes se repetem em outros partidos
O PSL, que vem sendo alvo de denúncias de candidaturas “laranjas” no País, entrou, agora, na mira do Ministério Público Eleitoral do Ceará. O órgão abriu, ontem, investigação sobre o partido do presidente Jair Bolsonaro no Estado, por repasse suspeito de R$ 150 mil da direção nacional da sigla para a então candidata a deputada estadual Gislani Maia, às vésperas da eleição do ano passado – suspeitas semelhantes recaem sobre candidaturas do PSL em outros estados e outros partidos.
Única candidata do PSL no Ceará a receber recursos do Fundo Eleitoral – mais do que o próprio presidente estadual da legenda, Heitor Freire, que foi eleito deputado federal -, Gislani utilizou a verba, segundo prestação de contas à Justiça Eleitoral, na confecção de 4,5 milhões de santinhos – quase a metade da população cearense – para um resultado inexpressivo: 3,5 mil votos.
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O Diário do Nordeste já havia denunciado, após a eleição de 2018, casos de candidatas a deputada estadual e deputada federal que receberam mais de R$ 200 mil do Fundo Eleitoral para as campanhas e sequer alcançaram mil votos. No Podemos, por exemplo, a aposentada Lucilene Correia da Costa, conhecida como “Mamãe”, recebeu R$ 300 mil da direção nacional do partido para disputar uma vaga na Assembleia Legislativa, mas teve apenas 2.374 votos no Estado.
Outros partidos, como PROS, PSB, DEM e Avante, também levantaram suspeitas em torno de candidaturas de mulheres que tiveram as contas abastecidas com dinheiro público, mas, sem estrutura de campanha, apresentaram fraco desempenho nas urnas.
Legislação
Em 2018, além da chamada “cota de gênero”, que exige que os partidos lancem, pelo menos, 30% de candidaturas femininas nas eleições proporcionais, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou que 30% do Fundo Eleitoral também deveria ser destinado a campanhas de mulheres. Nas últimas semanas, porém, o PSL virou alvo de denúncias de candidatas “laranjas”.
Depois dos casos envolvendo o presidente nacional do PSL, deputado federal Luciano Bívar, em Pernambuco, e o ministro do Turismo, Marcelo Álvaro Antônio, em Minas Gerais, a legenda no Ceará passou a ser investigada pelo Ministério Público Eleitoral no Ceará. O repasse de R$ 150 mil feito pela direção do PSL a Gisleni Maia, a dois dias da eleição, chamou atenção do órgão. O dinheiro foi distribuído a três gráficas diferentes.
No mesmo dia em que recebeu recursos do diretório nacional, a empresária declarou à Justiça Eleitoral gastos com a confecção de R$ 4,5 milhões de santinhos, 200 mil bottons e quase 100 mil panfletos. Gislani recebeu mais recursos que a campanha para deputado federal do próprio presidente estadual do PSL, Heitor Freire: R$ 50 mil.
Encomendas
Por outro lado, a maior parte da despesa – R$ 103.232 – feita pela então candidata no dia 5 de outubro foi com uma lona e 26 mil adesivos para carro na gráfica EH8 Comunicação Visual, cujo nome social é M C de Holanda Carvalho. De acordo com o Tribunal Regional Eleitoral (TRE), essa foi a mesma empresa utilizada por Heitor para confecção de adesivos, sendo responsável por 58% dos gastos dele.
A reportagem foi até a gráfica, no bairro Joaquim Távora, em Fortaleza, na manhã de ontem. No local, havia duas máquinas de impressão e duas salas. O dono da empresa, Eder Holanda, não estava na empresa e também não atendeu às ligações. Um funcionário não soube responder se a gráfica, que conta com seis funcionários, tem estrutura para imprimir mais de 20 mil adesivos em um prazo de menos de dois dias.
Um dia antes de receber a verba do Fundo Eleitoral, Giseli Maia declarou despesa em outra gráfica, a Mark, de nome social Mark Impressos Inteligentes Eireli, da qual ela é sócia e diretora. Na nota fiscal, consta um gasto de R$ 2.050 com etiquetas personalizadas para a candidatura de Gislani, do então candidato a presidente Jair Bolsonaro e para a candidatura a deputado federal de Heitor Freire.
Investigação
O procurador regional eleitoral, Anastácio Tahim, informou que instaurou investigação sobre o caso da candidatura de Gislani Maia. De acordo com ele, as informações prestadas à Justiça Eleitoral serão analisadas a partir da próxima segunda-feira (25), quando o Ministério Público definirá a condução do processo.
Como estão esgotados os prazos das ações eleitorais, explica Tahim, caso sejam identificadas irregularidades, serão tomadas “providências no âmbito administrativo dos recursos envolvidos e na esfera criminal”. O procurador disse, ainda, que vai entrar em contato com a Procuradoria Regional Eleitoral de Minas Gerais para analisar uma possível ligação do caso com o ocorrido no PSL mineiro, que tinha sob a presidência o atual ministro do Turismo.
Outro lado
Procurada pelo Diário do Nordeste, a ex-candidata a deputada estadual do PSL, Gislani Maia, não quis dar entrevista. Já o presidente estadual do partido, deputado federal Heitor Freire, disse, por meio de nota, que “todos os trâmites e preceitos legais atinentes ao uso do Fundo Partidário foram rigorosamente observados por ocasião do processo eleitoral de 2018”.
O dirigente do PSL argumentou que Gislani Maia foi a 17ª candidata mais votada do Estado e, “portanto, qualquer insinuação de que esta tenha sido candidata ‘laranja’, não passa de denuncismo vazio, irresponsável e leviano por parte de quem tenta a todo custo manchar a imagem” da sigla.