Artigo: “Canafístula, lixo da Fortaleza Belle Époque”, por Luiz Carlos Diógenes

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| ARTIGO| Luiz Carlos Diógenes

Na passagem pantanosa entre os séculos XIX e XX, a capital pululava de esfarrapados e vadios, frutos esquálidos das secas e das pestes cearenses. Ruas e praças infestadas de miséria. Entre estupefata e assustada, a “loura desposada do sol”‘, distante dos olhos e da caridade, cavou um lugar para inconvenientes hóspedes: Canafístula, no município de Redenção, oficialmente doada ao Governo da Província do Ceará pelo Comendador Luiz Ribeiro da Cunha, em 10 de abril de 1880, com a finalidade de nela se instalar um orfanato que tranquilizasse o sono de uma Fortaleza indormida, levando para longe a algazarra silenciosa de crianças abandonadas.

Órfãos sobreviventes da famigerada seca dos três sete (1877, 78 e 79) e do flagelo da varíola, que sempre cumulava a tragédia, a ponto de ficar assentado na memória da cidade o funéreo 10 de dezembro de 1878 como “o dia dos mil mortos”, foram a razão primeira para a doação da gleba. Assentou-se, ali, em junho de 1880, a Colônia Orfanológica Cristina. Substituiu-a, depois, o pavoroso Santo Antônio do Buraco, destino da “infância vagabunda”, na expressão política de então, que continuou a enodoar o alvo tecido da Fortaleza Belle Époque.

Canafístula tornou-se o colo telúrico para onde as elites cearenses enviavam vadios, mendigos e contraventores da capital cearense. Desta forma, em 10 de setembro de 1894 foi autorizada a instalação de uma Colônia Correcional Agrícola; duas décadas depois, o local acolhia e cuidava dos “leprosos”, incompatíveis hóspedes à higidez fortalezense. Ciência, religião e capital deram-se às mãos para “limpar” a cidade do flagelo que importunava os bairros centrais, já com ares europeizantes.

Em 1º de agosto de 1928 a elite cearense inaugurava o novo depósito humano, o lixo do luxo: o Leprosário de Canafístula. O poder econômico foi homenageado no nome de Antônio Diogo, uma robusta riqueza, à época, que fez uma doação vultosa para construção de pedra e cal. A luta de outros Antônios, Tabosa e Justa, a história recupera.

Os órfãos das secas cearenses e os hansenianos foram manchas tétricas, irrefutáveis, no quadro asséptico da Fortaleza Belle Époque, das quais nem o tempo nem a história apagarão.

Fonte: O Povo

3 COMENTÁRIOS

  1. Parabéns Luiz Carlos! Seu artigo mostra um pouco da história triste de uma época , como nas histórias bíblicas, a mesma intenção de descartar o que incomoda a sociedade elitista.

  2. Oportuno resgate histórico, prezado amigo Luiz Carlos. Infelizmente a maioria dos historiadores fala tão-somente pela boca das elites e condena as gerações futuras a uma cândida ignorância da verdade histórica. Tal qual os episódios desnudados pelo nobre amigo, o caso dos Campos de Concentração criados na década de 1930, inclusive na cidade dos meus ancestrais (Senador Pompeu), são ignomínias que nos afetam e precisam vir ao conhecimento público.

  3. Parabéns, Luiz Carlos. Pesquisa importante para que nós possamos conhecer a origem do flagelo urbano de nossa cidade. Que novos ventos nos levem cada vez mais distante da miséria e do desamparo. Valeu!

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