Imposto progressivo sobre consumo poderia atacar a inflação nos EUA

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Seria particularmente bom ter uma política que visasse aos ricos e não aos pobres
A inflação geralmente começa como um descompasso entre oferta e demanda. Mas se as pessoas se acostumam com o aumento dos preços, ela passa a ter relação com expectativas. E assim a tarefa de eliminá-la fica mais confusa: você precisa usar a política não só para gerenciar a economia, mas também para alterar a psicologia. A linguagem árida da economia obscurece a brutalidade que isso exige. Você precisa atingir a economia com força suficiente para intimidar todos os que tomam decisões dentro dela.

Porque é isso que os preços são: decisões. Essas decisões, mesmo quando mediadas por algoritmos, são tomadas por pessoas que tentam prever as decisões que outras tomarão. Quando se começa a acreditar que outros estão aumentando os preços, eles os aumentam.

“A inflação pode ser completamente autorrealizável”, disse-me Emi Nakamura, economista da Universidade da Califórnia em Berkeley.

Como você pode convencer as pessoas a esperar algo diferente? Idealmente, faria isso aumentando a oferta. Em 2021, carros e alguns eletrodomésticos tornaram-se escassos, e os preços subiram. A produção instantânea de muitos mais carros e lava-louças teria reduzido os preços, mas não podemos entregar esse tipo de abundância rapidamente: os trabalhadores são difíceis de retreinar; as fábricas demoram a ser construídas. Há limites para as pessoas, os recursos e as terras que podemos utilizar.

O que o Fed (Federal Reserve, o banco central americano) pode fazer rapidamente é cortar a demanda aumentando as taxas de juros. Isso também pode mudar as expectativas: se as empresas acharem que seus clientes terão menos dinheiro no ano que vem, irão precificar com mais cautela.

Mas, novamente, não vamos medir palavras. O Fed reduz a demanda tornando mais difícil pedir dinheiro emprestado e comprar casas e tirando as pessoas dos empregos. “Temos que deixar a inflação para trás”, disse Jerome Powell, presidente do órgão, em setembro. “Gostaria que houvesse uma maneira indolor de fazer isso; não há.”

No final da década de 1970, Paul Volcker, então chefe do Fed, inaugurou a era moderna do banco central elevando as taxas de juros o suficiente para romper a estagflação. Mas o custo foi terrível. Em agosto de 1979, quando ele assumiu a presidência, o desemprego era de 6%; em dezembro de 1982, era de 10,8%.

Volckler quis chocar a economia para entrar em um novo normal —e fez isso. No início de seu mandato, quando os aumentos de juros lançaram o caos nos mercados de ações, ele deu uma entrevista à rede PBS. Questionado sobre a turbulência, disse: “Acho que o ponto pode ser que capturamos a atenção deles, e isso é construtivo em certo sentido”.

A inflação é um flagelo, mas as taxas de juros são uma ferramenta contundente. Adam Posen, presidente do Peterson Institute e ex-membro do Comitê de Política Monetária do Banco da Inglaterra, as chama de “marreta” —como um elogio. “Quando você tem uma tendência crescente de inflação, a marreta é a ferramenta certa”, ele me disse. “É cega. Deixa uma bagunça. Há custos humanos. Mas você está fazendo uma demolição nas expectativas.”

Como sugere Posen, porém, os aumentos das taxas de juros demolem muito mais: não apenas a demanda, mas a oferta. Quando as pessoas perdem o emprego, param de produzir os bens e serviços de que a economia precisa. Quando as hipotecas aumentam, as empreiteiras constroem menos casas —apesar do fato de que altos custos de moradia geralmente são causados por falta de casas. Quando tomar dinheiro emprestado se torna caro, as pessoas param de pedir e deixam de fazer os investimentos que geram produtividade futura.

E a dor mais profunda recai, como muitas vezes, sobre pobres e desempregados. Altas taxas de juros podem mudar as decisões que os mais ricos tomam sobre gastos. Se for um mau momento para comprar uma casa, até um multimilionário pode esperar alguns anos. Mas juros mais altos não mudarão a quantidade que compram de serviços para crianças ou se trocam de celular ou quanto gastam em roupas. E são os gastos dos mais abastados que impulsionam a economia: em 2021, os 20% mais ricos foram responsável por quase 40% do gasto total; a despesa dos 20% mais pobres representou menos de 10%.

Seria bom ter políticas que funcionassem juntamente com as taxas de juros para que os ajustes fossem menos severos. Seria particularmente bom ter uma política que visasse aos ricos e não aos pobres —e o fizesse de uma forma que não prejudicasse o investimento a longo prazo. Essa política existe.

Durante anos, Robert Frank, economista de Cornell, defendeu um imposto progressivo sobre o consumo que desencorajaria os ricos de gastar em luxos e lhes daria mais motivos para poupar e investir. A maneira como isso funciona é simples: em vez de declarar sua renda à Receita e ser tributado sobre ela, você informa sua renda menos suas economias e é tributado sobre isso.

É um imposto de consumo: sua renda tributável é o que você gasta, não o que economiza. O Congresso americano pode torná-lo progressivoadicionando uma larga dedução padrão e aplicando uma taxa muito mais alta para pessoas que ganham muito mais, assim como fazemos agora.

Frank não escreveu numa época de inflação alta, então seu argumento se concentrou em outro lugar: ele considera que grande parte dos gastos dos ricos é prejudicial, não só um desperdício. Veja os gastos com casamentos: ricos competem entre si para realizar festas cada vez mais luxuosas.

A competição atinge os quase ricos, que querem parecer ricos, e assim também aumentam gastos. A pressão então muda para o próximo grupo na escala de renda e assim por diante, até que todos gastem mais em casamentos, porque a referência sobre quanto “deveriam” gastar mudou. Você pode encontrar dinâmicas semelhantes nos gastos com tudo, de casas a escolas, carros e joias.

Sempre gostei do argumento de Frank, mas agora estou mais interessado em outra característica do imposto progressivo sobre o consumo: a capacidade de aumentar e diminuir para responder a diferentes condições econômicas.

Em tempos de recessão, poderíamos reduzir os impostos sobre novos gastos, dando aos ricos e pobres mais motivos para gastar. Em tempos de inflação, poderíamos aumentar os impostos sobre novos gastos, principalmente entre os ricos, dando-lhes uma razão concreta para reduzir imediatamente e economizar e investir mais ao mesmo tempo.

Melhor ainda, poderíamos torná-lo automático, como Posen me sugeriu. Talvez para cada ponto percentual de aumento do desemprego acima de 5%, a alíquota cairia 3 pontos, e para cada ponto de aumento da inflação acima de 3%, aumentaria 4 pontos. Outras regras podem ser aplicadas para períodos em que o desemprego e a inflação andem juntos. O código tributário se tornaria responsivo à economia por padrão, e não apenas por meio de novos atos do Congresso.

Estamos inclinados a criar um imposto de consumo progressivo hoje? Claro que não. O Congresso provavelmente não fará muita coisa agora. Mas nas últimas duas décadas tivemos uma recessão gigantesca durante a qual o Congresso aprovou muito pouco estímulo, e agora uma crise inflacionária que o Congresso e o Fed demoraram muito para tratar. Talvez seja hora de pensar em políticas que se movam na velocidade das economias e da psicologia e não no ritmo das instituições.

Fonte: Folha de S. Paulo

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