‘A questão é gestão: cobrar os devedores e parar de dar perdão a sonegadores’, diz senador
CLAITON DORNELLES /JC Marcus Meneghetti
Ao longo dos 32 anos em que atua no Congresso Nacional, a Previdência Social tem sido o foco da atuação do senador reeleito em 2018 Paulo Paim (PT). Para ele, a reforma da Previdência que deve ser encaminhada pelo governo do presidente Jair Bolsonaro (PSL) pode prejudicar não só o sistema previdenciário, mas também outras áreas, como a saúde. Mais do que isso: acredita que a Previdência do País não precisa de reforma, mas de uma gestão que cobre as dívidas dos grandes sonegadores. Em 2017, quando o ex-presidente Michel Temer (MDB) tentou aprovar uma reforma que aumentava o tempo de contribuição e a idade mínima para a aposentadoria, Paim presidiu uma Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) que investigou as contas do sistema previdenciário. A conclusão, que consta no relatório, é que a Previdência é superavitária. Paim acredita que a proposta do ministro da Economia, Paulo Guedes – de instaurar o regime de capitalização na Previdência nacional -, “tem tudo para dar errado”. “No Chile, vigora esse regime. Estão descontando 10% diretamente do salário do trabalhador, o Estado não paga mais nada, o empresário não paga mais nada. E os 10% do próprio servidor não garantem uma aposentadoria decente para as pessoas. Mais da metade dos aposentados chilenos recebe menos de um salário-mínimo”, observa.
Nesta entrevista ao Jornal do Comércio, Paim também avalia a segunda etapa da reforma trabalhista cogitada por Bolsonaro. Defende, ainda, um movimento nacional para renegociar a dívida dos estados com a União, assim como a compensação dos créditos da Lei Kandir. Quanto à gestão de Eduardo Leite (PSDB), elogia a postura de diálogo do governador. Jornal do Comércio – Entre as reformas que o governo federal pretende levar à votação está a da Previdência.
JC – Pelas declarações da equipe econômica, vai ser encaminhada a reforma apresentada pelo ex-presidente Michel Temer, com algumas alterações. Qual a sua avaliação sobre essa reforma?
Paulo Paim – Fui um dos principais combatentes da reforma da Previdência do Temer. É desastrosa. Não leva a nada. Não ataca os principais problemas, que é a sonegação, a fraude, o desvio do dinheiro da Previdência para outros fins. E, mais uma vez, ataca os mais pobres, ao elevar a idade e o tempo de contribuição. Na CPI que tratou desse tema, que eu presidi, demonstramos que ir a público cobrar os que sonegam e se apropriam indebitamente dos recursos da Previdência é muito mais proveitoso para o País e para a economia. Os grandes devedores, não só da Previdência, mas também de outras áreas, devem mais de R$ 1 trilhão para o governo. Isso não é executado. Então, quando o governo cobrar esses devedores, vai poder discutir aumento de idade e tempo de contribuição.
JC – O ministro da Economia, Paulo Guedes, tem declarado que pretende implementar o regime de capitalização na Previdência brasileira. É viável?
Paim – O mundo sabe que esse sistema não deu certo. O melhor exemplo é o Chile. Lá, estão descontando 10% diretamente do salário do trabalhador, o Estado não paga mais nada, o empresário não paga mais nada. E os 10% do próprio servidor não garantem uma aposentadoria decente para as pessoas. Mais da metade dos aposentados chilenos recebe menos de um salário-mínimo. Como é que você vai viver com isso? Por isso, inclusive, eles estão precisando achar uma outra alternativa. Nesse sistema chileno, é como se fosse uma poupança sua. Se adotarmos esse modelo, vamos abrir mão da contribuição do empregador, contribuição de 20% na maioria dos casos. A minha preocupação é quem vai pagar esse valor. O regime de capitalização tem tudo para dar errado.
JC – Considerando os parlamentares eleitos em 2018, o novo perfil do Congresso Nacional está mais suscetível à aprovação da reforma da Previdência?
Paim – Infelizmente, sim. Claro que faremos o contraponto, de forma equilibrada e tranquila. Mas dá a impressão que esse pessoal que está chegando no Congresso quer a reforma. É vendido a eles que, após a reforma, vai ter mais emprego, a inflação vai diminuir, a taxa de juros vai baixar, o mercado vai melhorar. A impressão é que a Previdência é a origem de todos os males do Brasil, ao mesmo tempo que a reforma é a salvadora da pátria. Eu estou no Congresso há 32 anos. Com essa eleição, vai para 40 anos. Desde que cheguei lá, não fizeram essa reforma arbitrária, para não discutir o fato de a Previdência ser superavitária. A Previdência ajuda muito na saúde, na assistência social e na própria arrecadação do Estado. Com a reforma, vai piorar não só a Previdência, mas também a saúde e a crise social.
JC – Ficou claro que não concorda com a reforma proposta pelo governo federal. Mas o senhor faria alguma mudança no modelo atual da Previdência?
Paim – Sinceramente, não precisa de reforma nenhuma. Por dois motivos. Primeiro, se a Receita Federal fosse tão dura com os grandes sonegadores quanto é para qualquer cidadão que não paga suas contribuições, arrecadaria, de imediato, dinheiro suficiente para sustentar a Previdência pelos próximos anos. O que precisa é uma mudança da gestão, cobrar os grandes devedores, parar de dar perdão de dívida para os sonegadores. O pequeno contribuinte – como os pequenos comerciantes, por exemplo – sempre acaba negociando e pagando o que deve à Previdência. O grande renegocia por mais dois anos, depois não paga de novo e renegocia de novo. O que precisaríamos é de uma reforma de gestão. Aliás, sobre esse tema, existe uma proposta de emenda à Constituição no Senado que diz que o dinheiro da seguridade social não pode ser destinado, em hipótese nenhuma, para outro fim.
JC – E o segundo motivo?
Paim – Não precisa reforma porque aquela que fizemos em 2015, que já teve mudanças duras, é uma reforma permanente (as mudanças criam uma fórmula somando o tempo de contribuição mais a idade para se aposentar: para os homens, o tempo de contribuição mais a idade tem que somar, pelo menos, 95 anos; para as mulheres, 85). Não precisa fazer reforma hoje, nem amanhã, nem depois de amanhã, nem daqui a 5, 10 anos. Afinal, a cada dois anos, a fórmula 85-95 aumenta um ano. Em 2019, passa de 85-95 para 86-96. Daqui dois anos, já passa a ser 87-97. Com isso, vai aumentando o tempo de contribuição e a idade para se aposentar. Mas de forma equilibrada, de acordo com o nosso envelhecimento. No início das discussões dessa reforma, fui contra, mas acabei concordando com a fórmula encontrada depois de muita discussão. Então, a questão da Previdência é de gestão, cobrar os devedores e respeitar a fórmula 86-96.
JC – O presidente Jair Bolsonaro já anunciou que pretende fazer uma segunda fase da reforma trabalhista, porque, nas palavras dele, “a lei trabalhista tem que se aproximar da informalidade”. Como vê essa possibilidade?
Paim – É um equívoco histórico, é não ter princípio humanitário nenhum, é desumanizar a política, levando prejuízo para o povo brasileiro. Já falaram que não tem mais demarcação de terra indígena, não tem demarcação de terra quilombola, não se pode mais falar em reforma agrária e ainda estão dizendo que vão fazer outra reforma trabalhista. Aí é praticamente revogar a Lei Áurea. Segundo o IBGE, o número de desempregados que já desistiram de procurar emprego, que estão no mercado informal, chega a 30 milhões de brasileiros. Não temos que nos aproximar do mercado informal. Temos que formalizar os informais para que eles paguem a Previdência, para que tenham direitos e deveres como todo cidadão. Sinceramente, espero que essa reforma não aconteça. Estarei no Senado, graças ao povo gaúcho, me opondo a essa medida.
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