Para analistas e Congresso, manifestação do próximo domingo serve apenas para desviar o foco de dificuldades para o governo que podem ser trazidas pelo desaquecimento da economia mundial por causa do coronavírus, que deixa rastros de prejuízos mundo afora
DR Denise Rothenburg RH Rosana Hessel
As notícias de que há risco de a economia desandar e o receio de que manifestações do próximo domingo sejam esvaziadas levaram o presidente Jair Bolsonaro a, mais uma vez, defender os atos programados para 15 de março. As falas do presidente, de que está com “uma faca no pescoço”, e do general Augusto Heleno, de que há uma “resistência muito grande ao Brasil estar dando certo” e de que há uma “rede de corrupção”, foram vistas por analistas como uma “vacina” diante do que está por vir –– um cenário em que a economia mundial pode caminhar para uma recessão devido aos impactos do novo coronavírus levando o Brasil junto e, consequentemente, derrubando os preços dos ativos.
As declarações foram feitas em Boa Vista, numa escala do voo presidencial em Roraima, antes de seguir para os Estados Unidos, onde Bolsonaro cumpre intensa agenda. O presidente defendeu os atos, dizendo que não são contra o Congresso e nem contra o Judiciário, mas, sim, pró-Brasil. Acrescentou que quem tem medo de rua não serve para ser político. Criticou “pessoas” que não pensam no Brasil, só nelas. Entretanto, não deu nomes. A fala fez aumentar a tensão entre os poderes, porque, nas redes sociais, muitos apoiadores se referem ao movimento de 15 de março como algo contra o Legislativo e contra o Judiciário.
Os congressistas, porém, não pensam em colocar mais combustível no tanque da crise política, uma vez que os problemas reais que o país enfrenta no campo econômico são mais urgentes. O desemprego continua elevado e o Produto Interno Bruto (PIB) cresce muito pouco. Com o aumento dos casos de coronavírus no Brasil, muitos líderes consideram que seria razoável o presidente da República, em vez de chamar manifestações, convocar os outros dois poderes ao diálogo, a fim de proteger a população e a economia. Analistas estrangeiros têm dito que o mundo caminha para uma recessão e o Brasil pode repetir o desastre do governo de Dilma Roussef. UMa recessão seria dramática para os interesses do governo.
Nesse cenário adverso, a resposta do Congresso será discutir os temas mais relevantes. “O Congresso vai reagir com trabalho, cuidar de uma agenda que tem cada vez mais a cara do parlamento, porque o governo tem se omitido. Não enviou a proposta de reforma tributária e nem a administrativa”, diz o líder do DEM, Efraim Filho (PB). Esta semana, a comissão da reforma tributária começa a trabalhar e o plenário do Congresso votará os PLNs, projetos de lei sobre Orçamento, que foram enviados pelo Poder Executivo como fruto do acordo com o governo para manutenção do veto parcial ao Orçamento Impositivo.
Reações
A expectativa é de que reações políticas contra o governo virão apenas depois de 15 de março. Os congressistas querem esperar para ver o tamanho da manifestação e como a economia e os investidores se comportam. Até aqui, o chamamento aos atos de rua ao longo de 2019 gerou mais instabilidade por colocar gasolina no reservatório da crise econômica. O PIB do ano passado cresceu 1,1%, taxa menor do que a de 2018 e de 2017, ambas de 1,3%.
O prometido investimento não veio em larga escala, como previa o governo assim que assumiu. Ao contrário, está deixando o Brasil. O encontro entre os presidentes Jair Bolsonaro e Donald Trump, neste final de semana, é visto com esperança para tentar segurar os números e animar o mercado por aqui. Mas, entre os investidores, há a certeza de que a calmaria da política seria a saída para evitar dias piores. Até aqui, esse céu de brigadeiro não veio.
As estimativas de crescimento da economia neste ano continuam sendo revisadas para baixo e alguns analistas já começam a falar em retração do PIB do primeiro trimestre. O maior banco privado do país, o Itaú Unibanco, por exemplo, reduziu de 2,2% para 1,8% a expectativa de crescimento da economia em 2019 e elevou as apostas para novos cortes na taxa de juros básica, a Selic, para 3,75% até o fim do ano, como forma de o Banco Central dar mais estímulo à economia.
Interlocutores do presidente do BC, Roberto Campos Neto, contam que têm notado uma inquietação nada habitual nele, que está encurralado entre o dilema da necessidade de cortar juros e de intervir no mercado para conter a forte alta do dólar. O real tem apanhando e acumulado forte desvalorização neste ano diante do dólar, que está cada vez mais perto de R$ 5, cotação proibitiva até para patroa poder continuar indo à Disney –– conforme ironizam economistas sobre as palavras de Paulo Guedes.
No entanto, analistas estrangeiros têm feito projeções piores do que as do Itaú para o Brasil, com alta de 1,3% neste ano, como é o caso da britânica Capital Economics, que já prevê uma desaceleração da China, onde o foco do coronavírus começou, de 5% para 2%. Se essa projeção se confirmar, será um baque e tanto na economia global. A expectativa é de que, nesta semana, as novas projeções já falam sobre uma recessão.
FONTE: CORREIO BRAZILIENSE