Por Hugo Renan do Nascimento/Carolina Mesquita,
Pesquisa do Instituto Opnus aponta que a falta de informação é ainda mais alta entre pessoas com baixa escolaridade e menores rendimentos. Especialistas apontam falta de diálogo com a sociedade durante o processo da reforma
Desinformação e desinteresse. Essas duas palavras representam bem o que grande parte da população cearense vivencia sobre as mudanças a serem promovidas pela reforma da Previdência. Pesquisa do Instituto Opnus em parceria com o Sistema Verdes Mares aponta que 66% dos cearenses têm pouca ou nenhuma informação sobre o novo regime. O documento mostra ainda que 13% possuem algum conhecimento e apenas 18% diz ter muita informação.
“A população com menor escolaridade e de menor renda é a que declara ter menos informação sobre as mudanças da reforma”, explicita o documento.
Professor do Departamento de Administração da Universidade Federal do Ceará (UFC), David Oliveira avalia que a exclusão da sociedade do debate sobre a mudança na Previdência gerou esse desconhecimento das novas regras. “Essas informações (da pesquisa) têm muito a ver com o processo de reforma. Foi um projeto que não dialogou com a sociedade, que excluiu as pessoas do debate. Não envolveu a sociedade, não trouxe nem esclarecimento, nem a possível responsabilidade que a sociedade tem diante dessa reforma”, avalia.
Ele acrescenta que o proposta teve como foco as contas públicas. “A reforma feita pretende muito mais a sanar as contas do estado do que em promover um novo modelo de Previdência e um novo modelo de sociedade. A sociedade ficou alienada do debate”.
Estratificação
De acordo com a pesquisa, dentre os cearenses que estudaram até o ensino fundamental, 73% declaram ter pouca ou nenhuma informação sobre a reforma da Previdência, e entre aqueles que têm renda familiar de até 1 salário mínimo, o percentual é de 72%. “Por outro lado, dentre os cearenses que possuem nível superior, 59% afirmaram que têm alguma informação ou muita informação sobre o tema (28 pontos acima da média)”, completa o documento.
Para Oliveira, a repercussão da reforma da Previdência vai ser similar ao que ocorreu com a reforma Trabalhista. “O pessoal deu atenção à Trabalhista quando começou a sofrer a repercussão dela. Com a Previdência isso vai surgir daqui a sete anos. Na transição, tem modelos a partir de cinco a sete anos em que as pessoas vão sentir os efeitos. Os demais só vão perceber quando tiverem perto de se aposentar ou quando entrarem no mercado de trabalho”, avalia.
O professor da UFC também afirma que o debate se complica à medida que a sociedade não percebe as mudanças de imediato. “Os reflexos não são sentidos agora, exceto em alguns pontos. Neste sentido, a sociedade fica adormecida. Como não houve um debate adequado, as pessoas só vão sentir lá na frente, quando sentirem a necessidade de terem o benefício e não poderem ter o benefício”.
Dúvidas
A operadora de loja Lourdes Sousa (57 anos) já tem 29 anos, um mês e 10 dias de contribuição, segundo suas consultas, mas ainda não sabe como vai ficar a aposentadoria com as novas regras. “Eu já sei até os dias, sempre olho no aplicativo (do INSS – Instituto Nacional do Seguro Social) meu tempo de contribuição”, afirma, demonstrando a ansiedade para o esperado descanso que deve vir com a aposentadoria. Em toda sua trajetória profissional, Lourdes Sousa passou por apenas duas empresas, permanecendo por 10 anos e 4 meses, na primeira, e 18 anos e 11 meses, na segunda, onde atua até hoje.
As novas regras da Previdência, no entanto, podem acabar adiando o repouso almejado. Sousa revela não saber em qual regra de transição vai se encaixar e se ainda vai conseguir a aposentadoria integral ao completar os 30 anos de contribuição.
O pouco de informação que ela sabe sobre o assunto é a existência dos pedágios. “O que eu vi é que parece que ainda vou ter um pedágio, mas não sei o que é isso, se vou ter que pagar alguma coisa”, diz a operadora de loja.
O pedágio a que ela se refere é o aplicado a trabalhadores que já estão a dois anos de se aposentar. Estes terão de trabalhar 50% a mais do tempo que falta. Na prática, se faltarem dois anos para um trabalhador completar 30 anos de contribuição, no caso das mulheres, e 35 anos, para os homens, ele terá de continuar na ativa por mais três anos com o pedágio de 50%.
Com medo das novas regras prejudicarem a conquista da aposentadoria, Lourdes já buscou saber se consegue pagar contribuição a mais para não entrar no novo regime.
“Procurei o Vapt Vupt pra ver se tinha essa possibilidade, de eu pagar algum carnê por fora, e que garantisse que as regras atuais continuem valendo para mim, pra quando eu completar os 30 anos de contribuição conseguir me aposentar sem pagar pedágio nem nada. Mas fui informada que eu não poderia pagar nada por fora da minha empresa”, lamenta.
Burocracia histórica
Para Célio Fernando, economista e presidente do Associação dos Analistas e Profissionais de Investimento do Mercado de Capitais (Apimec) no Nordeste, essa desinformação à respeito da Previdência existe há muito tempo. “As pessoas quando querem se aposentar vão aos postos de atendimento do INSS e procuram entender as regras. Isso não é de hoje. Mesmo com a nova Previdência. Sempre foi uma coisa de entendimento não muito fácil, com relação a essas regras todas”, comenta.
Ele reforça ainda que a burocracia brasileira é um dos motivos que fazem as pessoas se afastarem do assunto. Segundo o economista, é uma percepção histórica e injusta com o cidadão comum.
“Por mais esclarecida que seja a pessoa, o Brasil, de alguma forma, não apenas na Previdência, traz uma carga de burocracia e processos que não são simplificados. Você tem uma herança burocrática e complicada que não facilita a vida do cidadão. O estado burocrático não é um estado de direito, é um estado onde um cidadão só tem deveres e não consegue sequer compreender que tipo de proteção ele tem”, acrescenta.
Desinteresse
Paulo Bacelar, sócio da Bacelar e Nousianen Advogados Associados e coordenador do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP) no Ceará, diz que muitos clientes que ele atende não têm nenhum informação sobre a nova Previdência. “Está praticamente todo mundo sem saber o que vai acontecer. Para mim, isso é desinteresse em buscar a informação correta e esperar que essa informação chegue até a pessoa”, observa.
Ele ressalta ainda que a falta de cultura em se planejar para o futuro também explica o quadro preocupante de falta de informação. “A gente tem recebido clientes que estão pensando na Previdência porque a reforma vai alterar a vida deles. É uma reforma bastante complexa e para a pessoa leiga fica muito difícil, por isso é importante procurar um especialista”, aconselha.
Bacelar acrescenta que a pressa em aprovar a reforma e consequentemente a falta de debate também influenciou a falta de conhecimento de grande parcela da população. “É uma questão da falta de debate e isso fez com que as pessoas realmente não tivessem tempo para assimilar as mudanças”.
Falta de divulgação
A autônoma Narleide Maia (53 anos) é mais uma entre tantos cearenses que ainda tem diversas dúvidas de como vai funcionar a nova Previdência. Ela reclama que se fala muito do caso de pessoas que começaram a contribuir tardiamente, mas que não deixam claro como ficará a situação de quem contribui desde a juventude. “Eu já estou pertinho de completar 30 anos de contribuição, acho que completo no próximo ano. Então, vou procurar o INSS e saber se vou entrar em alguma dessas regras novas, porque têm várias modalidades”, afirma.
Ela acrescenta que gostaria de saber mais sobre as pessoas que estão na ativa. “Uns falam que a gente não vai entrar na reforma, outros falam que sim, e ninguém entende nada”, ressalta.
Narleide trabalhou por mais de 20 anos na iniciativa privada e há 10, após demissão, montou a própria bomboniere em casa. “Passei um tempo sem contribuir logo no começo por causa de uns problemas de saúde que tive, mas voltei logo. Procurei o INSS e peguei o carnê para pagar todos os meses”, conta.
“O INSS devia falar mais claro com a gente que tá contribuindo há muito tempo. Eles fazem várias regras e não explicam nada, confunde a cabeça de todo mundo. Tem um monte de gente que foi pedir a aposentadoria com essa reforma e foi negada, tudo por falta de informação”, lamenta.
A autônoma ressalta que tão logo consiga solicitar a aposentadoria vai pedi-la. “Eu já tenho alguns problemas de saúde, não sei por quanto tempo mais consigo trabalhar”, revela Narleide.
Perfil
Conforme a pesquisa, 72% dos cearenses que ganham até um salário mínimo têm pouca ou nenhuma informação sobre a nova Previdência. Na faixa de 1 a 2 salário mínimos, 62% dos entrevistados também têm praticamente nenhum conhecimento das novas regras. Já na faixa de quem ganha acima de cinco salários, a proporção é inversa. Cerca de 60% dos cearenses têm muita ou alguma informação acerca das mudanças.
“Nas comunidades, as pessoas que são líderes comunitários deveriam convidar professores e advogados para palestrarem e levar informação porque realmente essas pessoas ficam afastadas de qualquer discussão. Por isso essa pesquisa confirmou que a classe mais desfavorecida fica sem informação”, aconselha Bacelar. No entanto, o coordenador do IBDP no Ceará afirma que nem mesmo os contribuintes da classe média têm conhecimento do assunto.
“O interesse do brasileiro pela Previdência é muito pouco haja vista que as faculdades de Direito não têm a disciplina de Direito Previdenciário como matéria obrigatória. Não tem interesse da sociedade das pessoas serem informadas sobre isso”, explica.
A pesquisa ainda aponta que a população mais jovem também é a mais desinformada. Na faixa etária de 16 a 24 anos, metade dos cearenses disseram ter pouca informação. Entre 25 e 34 anos, a proporção cai para 46%, e entre 35 e 44 anos sobe para 47%, índice que se repete na população de 45 a 59 anos. Acima de 60 anos, apenas 33% dos entrevistados disseram que têm pouca informação.