Inadimplência volta a subir em janeiro e deve crescer ainda mais com a alta de juros

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Segundo Serasa, 61,7 milhões tinham dívidas em atraso. Selic maior, desemprego, inflação e atraso do auxílio emergencial pressionam orçamento

RIO – A alta de juros pelo pelo Banco Central na quarta-feira – que surpreendeu o mercado ao subir de 2% para 2,75% a taxa básica da economia – vai comprimir ainda mais o orçamento das famílias, já afetado pelo desemprego elevado, a inflação crescente e a demora na retomada do auxílio emergencial. Não por acaso, os dados de inadimplência voltaram a subir.

Pesquisa da Serasa mostra que 61,7 milhões de brasileiros estavam com dívidas atrasadas em janeiro, frente a 61,4 milhões em dezembro. Foi a primeira alta após oito meses de queda no número de inadimplentes.

Houve ainda uma transição no mesmo período em relação ao tipo de dívida em aberto, consolidando o retorno mais amplo da inadimplência aos lares brasileiros.

O atraso no pagamento de serviços básicos, que chegou a 23,6% em dezembro, recuou para 22,7% em janeiro e deu lugar ao aumento das dívidas com bancos, que saltaram de 27,3% em dezembro para 28,2% em janeiro.

Na avaliação de Ricardo Macedo, professor de Economia do Ibmec-RJ, a falta de pagamentos dos empréstimos e cartão de crédito tem relação com a incapacidade de postergar o pagamento das contas essenciais.

— Muitas pessoas aproveitaram as situações de crédito barato e o pagamento do auxílio emergencial para pegar empréstimos como forma de sobreviver e gerar um capital de giro para tocar as compras. Mas a partir do momento em que a pessoa tem que voltar a pagar as contas básicas, somado ao aumento de preços, principalmente dos combustíveis que afetam derivados como o gás, a tendência é não ter fôlego financeiro para fazer frente a outras contas.

Luiz Rabi, economista da Serasa Experian, lembra que o atraso nas contas de água, luz, gás e telefonia em dezembro já apontava uma tendência de crescimento da parcela da população brasileira com dívidas vencidas e não pagas.

— Quando as pessoas começam a ter dificuldade, elas vão escolhendo onde vão ficar inadimplentes e, normalmente, escolhem ficar em dia com os bancos e cartões, para não ter o crédito cortado — explica o especialista.

Segundo dados do Banco Central, a inadimplência voltou a subir e atingiu 2,89% em janeiro após oito meses consecutivos de queda. Entre abril e dezembro do ano passado, o indicador recuou de 4,07% para 2,85%.

Empréstimos com bancos
Outro sinal de alerta é o percentual de pessoas que atrasaram  entre 15 a 90 dias os pagamentos para instituições financeiras. O indicador subiu de 4,07% em dezembro para 4,27% em janeiro. Na prática, aqueles consumidores que não pagaram seus empréstimos bancários em janeiro podem se converter em inadimplentes nos meses seguintes.

O assistente administrativo Thyago Neves, de 35 anos, precisou recorrer a um empréstimo no banco em dezembro para conseguir pagar as contas do mês e não entrar na inadimplência.

— Como está tudo muito caro, você acaba dando prioridade às coisas essenciais e, conforme vai tendo a necessidade, pega dinheiro emprestado com banco, cartão de crédito, cheque especial para tentar não deixar de pagar as contas — conta ele, que agora precisa equilibrar as contas para conseguir pagar sem atrasos a dívida que criou.

Economistas apontam que o nível de calote deve se agravar nos próximos meses. A piora da pandemia, somada ao desemprego elevado, inflação alta e ausência do auxílio emergencial no primeiro trimestre ilustram a dificuldade de uma recuperação mais intensa no consumo das famílias, que despencou 5,5% em 2020, segundo o IBGE.

Nível de recorde de endividamento
Fábio Bentes, economista da Confederação Nacional do Comércio (CNC), lembra que o comprometimento da renda das famílias com dívidas bateu recorde de 21,5% em dezembro, o maior resultado da série histórica do BC, iniciada em 2005.

E a tendência, segundo ele, é de crescimento do indicador no primeiro semestre. As consequências são o pé no freio no consumo e baixo crescimento econômico:

— O primeiro trimestre já é um momento de pressão no orçamento das famílias pelo componente sazonal e, na ausência do auxílio, não descartaria que o comprometimento com dívidas atinja 30% da renda dos brasileiros. No segundo trimestre, vamos ter o benefício, mas com efeito menor e num ambiente de inflação alta e juros precificados em nível mais alto — destaca.

Para Maria de Lurdes, de 58 anos, que trabalha há mais de vinte como camelô no Centro do Rio, o auxílio emergencial ajudou a compensar a renda perdida em razão da pandemia e facilitou o pagamento de contas atrasadas.

Apesar do pequeno alívio no ano passado, o começo de ano difícil devido ao baixo movimento de clientes não tornou possível a regularização da sua situação financeira e a limpeza do nome.

— Parcelei algumas contas com juros bem altos por causa do cartão e outras não tinha como pagar e fiquei com nome restrito. Quando passei a receber o auxílio, comecei a pagar algumas contas atrasadas, como a de luz. Pagava uma, ia deixando outras, aí pagava as mais atrasadas, teve que ser assim.

A elevação da taxa básica Selic de 2% para 2,75% pode agravar o quadro da inadimplência, já que se reflete nas taxas cobradas dos consumidores e desestimula o consumo via crédito, que já havia encarecido no começo do ano.

Em dezembro, o spread (diferença entre o juro que o banco paga para captar recursos e o que empresta) estava em 19,46% e subiu a 20,39% em janeiro, o que levou a taxa média de juros para famílias no crédito livre a subir de 37,2% em dezembro para 39,4% em janeiro

Mercado de trabalho frágil
Isabela Tavares, economista da Tendências Consultoria, lembra que o cenário de aumento de juros já ocorreria com ou sem elevação da Selic, por conta do fim de medidas emergenciais de liquidez em dezembro propostas pelo BC, que ajudaram nos custos operacionais dos bancos.

Ela acrescenta, contudo, que o período de juros altos somado ao agravamento da pandemia restringe a reação do mercado de trabalho e por isso tende a elevar a inadimplência. Pelos cálculos da consultoria, a inadimplência livre para pessoa física chegará a 4,9% em 2021, após ter terminado 2020 em 4,2%.

— As dívidas que foram renegociadas ao longo do ano passado foram jogadas para frente, e agora a proximidade dos prazos de pagamento com novas renegociações não tão fáceis começam a pressionar. A situação financeira fica mais delicada.

Ambos os economistas afirmam que o movimento de redução da inadimplência só deverá acontecer com a retomada consistente do mercado de trabalho, que depende do controle da crise sanitária para acontecer. A tendência, dizem, é que o ritmo de vacinação lento e a recuperação gradual das atividades econômicas estendam para 2022 a possibilidade de queda nos calotes.

— O fraco desempenho do mercado de trabalho trava a demanda por novos financiamentos. A partir dessa retomada, com a melhora da pandemia no segundo semestre, aí você tem um maior aquecimento para novos financiamentos e para aquisição de dívidas — ressalta Tavares.

Macedo acrescenta que o uso da poupança “precaucional” formada durante a pandemia já está sendo liquidada num contexto de incerteza sobre a recuperação da atividade econômica. Segundo BC, brasileiros retiraram R$ 5,8 bilhões da poupança em fevereiro, segundo mês consecutivo em que a caderneta teve mais saques que depósitos.

— A reserva de poupança está acabando. A retomada é fundamental, mas para ser vigorosa precisa da população vacinada. Não tem como escapar.

Fonte: O Globo

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