Sobre teto de gastos, economistas se dividem entre manutenção, mudança e ‘caminho do meio’

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Para especialistas, não há solução pronta, mas governo precisa apontar que rumo vai seguir

A manutenção ou não da emenda constitucional do teto de gastos no próximo ano e no horizonte mais longo divide economistas.

Há quem defenda a manutenção da regra, quem pregue uma mudança imediata e quem acredite na possibilidade de um “caminho do meio”.

Todos os lados são unânimes, porém, de que a incerteza é o pior cenário e que é urgente o governo definir qual será a trajetória do gasto público no próximo ano e no médio prazo.

Para Rafaela Vitória, economista-chefe do Banco Inter, uma revisão do teto pode ser feita no futuro, mas o momento atual não é adequado para isso.

“O teto teve a função de mostrar para o governo, junto com a sociedade, que é necessário fazer reformas. Concordo que o teto sem reformas não funciona e estamos chegando nesse momento crítico”, disse Vitória, durante evento virtual promovido pela FGV (Fundação Getulio Vargas).

“Já para o próximo ano, o teto não vai funcionar. Sabemos que o Orçamento de 2021 não consegue funcionar dentro da regra, precisamos aprovar pelo menos a PEC Emergencial”, defendeu a economista.

A PEC Emergencial é uma Proposta de Emenda Constitucional apresentada pelo governo ao Congresso em novembro do ano passado. A proposta inclui o acionamento de medidas para reduzir a despesa do governo, como a proibição temporária de criação de novas despesas obrigatórias, redução de carga horário e salários de servidores e proibição da realização da concursos e criação de cargos públicos.

Segundo Vitória, a regra do teto propiciou um debate muito positivo sobre a qualidade do gasto público e o controle sobre o crescimento da despesa contribuiu para a queda da inflação e dos juros.

“Acredito que o teto de gasto sendo mantido, sem flexibilização, vai forçar a aprovação de uma reforma administrativa no próximo ano e nos ajuda a evoluir no processo de reforma tributária”, afirmou.

Grazielle David, doutoranda em economia na Unicamp e parte da campanha Direitos Valem Mais, defende por sua vez uma mudança da regra. Para a economista, a responsabilidade fiscal precisa ser pensada de maneira associada à responsabilidade social e ambiental.

“É preciso inverter a lógica, ao invés de estabelecer um limite projetado apenas a partir de indicadores econômicos, e esperar que o social e o ambiental se adaptem a isso, é preciso definir quais são as mudanças sociais, ambientais e a garantia de direitos necessárias, para a partir disso estruturar a economia, os gastos e a arrecadação”, afirmou. “É uma inversão de lógica para se pensar a economia numa perspectiva de direitos humanos.”

David defendeu ainda que a nova regra tenha um prazo mais curto, de quatro anos, em relação aos 20 anos da regra atual, para que a sociedade tenha a possiblidade de mudar sua política econômica com as mudanças de governo.

A economista sugeriu também a ampliação das receitas disponíveis através da revisão de gastos tributários e de uma reforma tributária progressiva, com cobrança maior de impostos sobre os mais ricos. E reforçou que esse aumento de receitas só pode ser destinado a novos gastos, caso o teto seja revisto.

Felipe Salto, diretor-executivo da IFI (Instituição Fiscal Independente), disse preferir um “caminho do meio” entre a manutenção e a mudança do teto, com o acionamento de gatilhos que reduziriam a despesa pelo próximo um ou dois anos, dando mais tempo para que a revisão da regra seja feita com calma.

Salto lembrou que a IFI tem alertado para a impossibilidade de cumprimento do teto depois de 2020 desde antes de a pandemia tornar ainda mais crítica a situação das contas públicas. Pelas projeções da instituição, a relação entre dívida e PIB (Produto Interno Bruto) deve passar de 75,8% em 2019 para 96,1% ao fim desse ano.

“Estamos num momento que não tem solução pronta e acredito que o debate precisa ser mais aprofundado”, disse o economista. “O que eu acredito que poderia ser feito é, para o ano que vem, em vez de fazer uma mudança do teto que poderia acabar sendo muito atabalhoada, encontra-se um meio do caminho. Fica-se com gatilhos acionados por um ano ou dois e aí ganha-se tempo para pensar num eventual redesenho do teto.”

Esther Dweck, professora da UFRJ e parte da equipe econômica do governo Dilma Rousseff (PT) entre 2011 e 2016, defendeu que não se pode falar sobre o aumento das despesas do governo nos últimos anos sem avaliar a destinação desses recursos.

Segundo ela, a maior parte do gasto foi destinada a área social, com o financiamento do SUS (Sistema Único de Saúde), da Previdência e dos programas assistenciais. E mesmo o gasto com funcionalismo está em boa parte relacionado à área social, conforme a economista, já que inclui servidores da educação, saúde e da Previdência.

“Tenho muita preocupação com o teto de gastos no ano que vem e nos próximos anos. O que o governo apresentou no PLOA [Projeto de Lei Orçamentária Anual] é uma contração dos gastos públicos de 2020 para 2021 da ordem de 8 pontos do PIB, um ajuste fiscal que jamais foi visto na história brasileira, numa situação em que a pandemia não terá terminado.”

Segundo Dweck, diante da elevada capacidade ociosa das empresas, não há possiblidade de o investimento privado ser o motor do crescimento no próximo ano. Além disso, sem o auxílio, há chances relevantes de um retrocesso do consumo das famílias no próximo ano.

“Só existiria um setor institucional capaz de retomar o crescimento da economia no ano que vem, que é o governo.”

Vitória, do banco Inter, discordou da professora da UFRJ. “Não teremos crescimento econômico se continuarmos a ter descontrole fiscal”, afirmou.

“Se continuarmos a fazer déficits dessa magnitude, o Brasil vai praticamente quebrar. Então não temos condição de voltar a ter gastos no próximo ano. A contração fiscal vai haver no ano que vem e ela deve haver para colocar a economia no trilho. Só assim teremos uma inflação sobre controle, juros baixos e permitir que o investimento volte.”

Para David, da Unicamp, o fato de a manutenção do teto depender de reformas e do acionamento de gatilhos deixa claro que a regra depende de remendos para se sustentar. A economista defende, assim, que a mudança do teto seja feita través de uma “PEC revogatória”, que pode incluir uma regra de transição e deixar em aberto a construção de uma nova regra.

“Revogar esse teto que é ruim não quer dizer ser irresponsável e não ter regra nenhuma”, afirmou. “É assumir que essa regra não funciona, mas que é possível ter outra. Fala-se que a pior coisa para o mercado é a incerteza, mas ela é ruim para todo mundo. Por que vamos ficar convivendo com um teto que precisa de remendo para poder existir?”, questionou.

Fonte: Folha de São Paulo

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