Servidores do Ipea reagiram ao ofício interno distribuído ontem que impõe limites à divulgação de estudos
Os servidores do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) reagiram novamente ao ofício interno distribuído ontem que impõe limites à divulgação externa de estudos e pesquisas por parte de seus pesquisadores e colaboradores. Desta vez, foi a Associação dos Servidores do Ipea (Afipea-Sindical) que repudiou o documento encaminhado, por e-mail, a cada funcionário e assinado pelo próprio presidente do instituto.
Para a Afipea, a postura do comando do Ipea endossa a linha de “ataques” que os servidores públicos federais tem sofrido. Isso ocorre, informou, com a “vigilância excessiva de práticas corriqueiras, eticamente legítimas e juridicamente constitucionais dos servidores”, o que configura “assédio institucional”.
“Nem é de causar espanto que mais um passo em direção ao obscurantismo e ao cerceamento ideológico esteja sendo dado nesse momento dentro do próprio Ipea, um órgão sabidamente responsável por produzir e disseminar – publicamente – estudos, avaliações e pesquisas aplicadas às políticas públicas, visando subsidiar decisões (estratégicas, táticas e operacionais) para o aperfeiçoamento institucional do Estado e para a efetividade do desenvolvimento nacional”, destacou a Afipea, em documento divulgado neste sábado.
Ontem, o Ofício Circular Interno nº01/2021, do Ipea, faz referência ao Manual de Conduta do Agente Público, instituído pela Controladoria Geral da União (CGU), para reforçar que os servidores estão sujeitos ao “descumprimento de dever ético e, eventualmente, até infração disciplinar”, o que foi entendido como um ameaça ao corpo funcional.
“A imposição de penas disciplinares a servidores públicos com base na referida interpretação é ato de improbidade administrativa, apto a ser reprimido pelo Judiciário e pelos órgãos de controle”, ressaltou a entidade, que representa os funcionários do Ipea.
Ainda ontem, servidores ouvidos pelo Valor, manifestaram o mal-estar gerado pelo documento interno. Isso porque, dois dias antes, a CGU já havia notificado dois professores da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) que criticaram o presidente Jair Bolsonaro.
Para a associação, a norma da CGU, embora “aparentemente banal ou meramente burocrática”, representa uma afronta a “preceitos constitucionais, diretrizes institucionais, do próprio estatuto do Ipea e, sobretudo, contra a tradição democrática e práticas consolidadas de investigação científica, praticadas há mais de 50 anos” pela instituição.
Em 2018, a mesma direção do Ipea havia publicado portaria interna que funcionou como “instrumento de controle” das entrevistas jornalísticas dos servidores e das publicações na mídia no período eleitoral – fato destacado hoje pela Afipea. A portaria foi editada para disciplinar a conduta da Assessoria de Imprensa e Comunicação.
De acordo com a Afipea, o servidor deve “lealdade ao interesse público, ainda quando isso implique criticar a orientação governamental da ocasião”. A associação cita o exemplo da situação que o país enfrente na pandemia da covid-19: “se parte dos servidores do Ministério da Saúde não concorda com a imposição da prescrição de cloroquina, em contradição com as recomendações da ciência, não só pode como deve denunciar em público a inconsistência da política governamental”.
Fonte: Valor Econômico