O governador Camilo Santana comunicou ontem que escolas públicas e privadas da Capital continuarão com atividades remotas neste mês. A retomada poderá acontecer em setembro.
Até ontem (1º), quando foi anunciada a decisão, o Ceará havia confirmado 176.371 diagnósticos positivos, 146.281 altas médicas e 7.704 vidas perdidas em decorrência do novo coronavírus.
“Aulas de escolas e universidades presenciais não ocorrerão ainda no mês de agosto. A previsão para a retomada das aulas, tanto privadas quanto públicas, está prevista apenas para o mês de setembro. Durante todo o mês de agosto faremos reuniões para definir protocolos”, disse o governador em transmissão nas redes sociais.
A decisão de adiar o retorno das atividades in loco, no entanto, novamente dividiu a opinião da comunidade escolar e entre os pais de alunos matriculados nos estabelecimentos de ensino. Alguns apoiam a continuidade das aulas remotas. Outros, por sua vez, mantêm parecer contrário ao atual formato pedagógico a distância.
Mãe de uma aluna do 5º ano do Ensino Fundamental, a assistente social Rejane Gomes compartilha da deliberação estadual, justificando que o contexto pandêmico ainda demanda cuidados sanitários. “O Camilo Santana tem sido prudente. Está agindo com responsabilidade perante à população, porque se assim não fosse, as crianças tinham voltado e aí, infelizmente, nós poderíamos estar vivendo muitos problemas, já que ainda têm muitas pessoas infectadas na cidade”.
Durante o anúncio, o governador afirmou que os pais ou responsáveis poderão escolher pelo retorno das tarefas presenciais ou pela manutenção da metodologia remota. “Terão a garantia da continuidade do atendimento remoto”, frisou. Rejane, contudo, vai manter a filha no ensino residencial até o fim do ano.
“Eu entendo que há muitas famílias sem estrutura para as aulas online, mas as que têm essa possibilidade, certamente eu creio que vão preferir continuar remotos, até porque ainda não há vacina para a Covid-19”, finaliza.
Já a anestesiologista Fernanda Araújo lamenta que o Plano de Retomada, anunciado no mês de junho, tenha excluído as instituições de ensino da 4ª fase. Com duas filhas de 4 e 6 anos de idade na escola, ela avalia que a decisão de adiar mais uma vez o retorno das atividades presenciais “não prioriza a educação” e não levou em conta o panorama de transmissão da Covid-19 na Capital.
“Se ele (Camilo Santana) aceita que a situação de Fortaleza está controlada, deveria estar preparado para a abertura das escolas, mas diz que precisa alinhar os processos. Então o que foi feito desde o anúncio do plano?”, questiona. A médica defende que os pais tenham autonomia para decidir sobre a condição dos filhos.
“Nesse momento caberia ao governo dar as condições de retorno e dá a decisão para as famílias”, sugere.
Cobrança
Hélio Moura, diretor do Colégio Invictus, na Maraponga, entende que o governo vem tomando as decisões acertadas no enfrentamento à pandemia, mas vê a necessidade de uma data exata para o retorno. “Já estamos preparados para retornar desde 20 de julho. Se não voltar agora no fim de agosto e início setembro, compromete, além do ano de 2020, o de 2021, principalmente na rede que funciona”.
“Temos em Fortaleza cerca de 500 escolas de pequeno e médio porte, como a minha. Se pensarmos em 30 funcionários por escola, dá 15 mil empregos diretos nesta rede. São pessoas que podem ser prejudicadas diretamente”.
O diretor do 7 de setembro, Henrique Soárez, avalia que o Estado já tem condições de retornar às atividades a partir de um ensino híbrido. “Estamos prontos para retornar”. Ele critica o fato de, mesmo diante dos bons indicadores, “ainda não ter uma data fechada para este retorno”.
Critérios
Para Melissa Medeiros, infectologista dos Hospitais São José (HSJ) e Geral de Fortaleza (HGF), a decisão de retardar o retorno às aulas presenciais no Ceará “não foi baseada em dados epidemiológicos”. “Estudos mostram que as crianças não são vetores para o maior número de infecções. O que acontece é que as escolas privadas estão preparadas; as públicas, não”, avalia a médica, que presta consultoria gratuita a instituições de ensino, orientando que mudanças estruturais devem ser feitas para garantir segurança sanitária.
Porém, as adaptações necessárias para um retorno seguro ao ensino presencial, segundo Melissa, “não são grandes”.
“O principal é distanciar as carteiras entre 90cm e 1,80m e promover a higienização das mãos, aumentando a quantidade de pias com água e sabão. Além disso, manter a utilização de máscaras e garantir que a criança troque com, no máximo, três horas”, explica, reconhecendo que “levar as mudanças de comportamento social para dentro da escola, principalmente com crianças menores e com necessidades especiais, será mais difícil”.
Ainda assim, a doutora em Educação e coordenadora do curso de Pedagogia da Universidade Federal do Ceará, Jakeline Andrade, pondera que “a grande preocupação” é se professores e alunos terão a garantia dos protocolos de segurança. “Os cuidados já são difíceis para os adultos, quem dirá para as crianças. Dentro da escola, a ampliação do contato é praticamente inevitável”.
Quem está na sala de aula, tem receio da possibilidade de um retorno antes mesmo da distribuição da vacina. Professor de História na rede municipal, Pedro Monteiro afirma que em um possível retorno, irá com Equipamentos de Proteção Individual (EPIs), mas teme que os alunos não tenham essa mesma possibilidade.
“Eu vou com máscara, protetor de acrílico e roupa de TNT, mas e o garoto pobre que não tem dinheiro para proteção e pode passar o vírus para as outras pessoas de casa?”.
O medo da contaminação, inclusive, é relatado pelos pais de alunos nos grupos de mensagens das aulas virtuais. “Em todos, eles falam que não têm o mínimo interesse de mandar os filhos para a escola agora”, destaca Pedro, que considera um “acerto” a manutenção das aulas remotas.
Jakeline Andrade complementa que a decisão atende ao critério de preservação da vida. Nesse caso, a educação precisa recuar. “Se as autoridades sanitárias veem como algo bom à saúde, a educação tem que se precaver. Se corre perigo, é mais que justificável que a educação se alie na defesa da vida. Para a sociedade, o retorno às aulas é um sinal de normalidade. E ainda não estamos num momento para baixar a guarda”, considera.
A reportagem procurou o Sindicato dos Estabelecimentos Particulares de Ensino do Ceará (Sinepe-CE), que não quis se posicionar sobre a determinação do governador.
Retorno remoto
A Secretaria de Educação (Seduc) reforçou que, “considerando a necessidade de manutenção das medidas de distanciamento social para contenção do Coronavírus”, todas as escolas da rede pública estadual de ensino do Ceará iniciarão este período letivo, a partir de amanhã (3), exclusivamente de forma remota.