João Domingos Gomes, presidente da Confederação dos Servidores Públicos do Brasil (CSPB), declara que os servidores não são contrários a uma reforma administrativa, mas não vê mudanças benéficas no texto da PEC.
“Defendemos uma reforma real, que aprimore a qualidade e oferte mais quantidade de serviço público, que capacite os agentes para responder, sobretudo, com uso de tecnologia”, pontua.
Para ele, o texto é um retrocesso para a administração pública. “Ele é uma antirreforma administrativa, e é coerente com esse novo modelo de Estado que pretende limpar o Brasil, que começou com a Reforma Trabalhista, depois da Previdência e agora essa”, declara.
O presidente da CSPB enxerga no texto uma junção de mitos sobre a esfera pública, o que prejudica no avanço da qualidade do serviço oferecido ao cidadão. “O texto está assentado no mito de inchaço do Estado, sendo que o Brasil tem o menor serviço público do mundo. Ao falar da América Latina, nosso país tem apenas 4% de administração pública, é menor que a do Paraguai e do Uruguai”, conta.
De acordo com João, o texto trata como nova a demissão de servidores por mau desempenho, mas a administração pública federal “tem demitido cerca de 470 pessoas por ano”, por meio de avaliação de desempenho e processo administrativo, previstos na Lei nº 8.112/90.
“Na reforma, a avaliação é vista apenas com o propósito de demitir sumariamente os funcionários. Do jeito que está, o chefe falará para o funcionário: está demitido, você não usa calça azul marinho todo dia, como eu gosto”, exemplifica. “Fazer ajuste fiscal em cima de demissão de funcionários, em um quadro já caótico, é um desserviço para a sociedade”, frisa.
Prejuízo à população
João também acredita que a sociedade deve se preocupar com a reforma, visto que a demissão de servidores e a falta de clareza do texto podem impactar no serviço final. “Se não há investimento no servidor, não há melhora na qualidade do serviço”, diz.
“O serviço público é democrático e para todos. Neste momento, vemos que o Estado é a única esperança de vida do brasileiro. É o serviço público que oferece a qualquer um aquilo que é preciso, necessário, gratuitamente”, lembra.
Atualmente, a CSPB articula melhorias no texto junto ao Congresso Nacional, de forma a reverter as mudanças. “Estamos trabalhando com o Congresso e também com o Ministério da Economia para fazer um substitutivo à reforma. Quem entende de serviço público são os funcionários e a sociedade”, diz.
“Por isso, o debate deve ser feito com todos envolvidos na função do Estado: o funcionário público, o movimento sindical e principalmente a sociedade. A imprensa e todos os atores envolvidos devem abordar a reforma do ponto de vista do usuário”, sugere.
João está otimista e acredita que as mudanças serão revertidas, de forma a apoiar a população brasileira no momento mais difícil da pandemia de covid-19. “Acho que vamos reverter esse aspecto trágico que aponta para um país sem serviço público. Não queremos aumentar o caos. Se isso ocorrer, não falaremos de prejuízo material, mas falaremos de morte”, declara.
Não é privilégio
Apesar de não ser afetada pelas novas regras, Ana Karine Nogueira, analista legislativa da Câmara dos Deputados, é contrária à reforma. “Eu acho que a sociedade, no geral, acredita no discurso de que a estabilidade é um privilégio, isso já era dito por Collor (Fernando Collor de Mello, presidente do país entre 1990 e 1992), quando falava em caça aos Marajás”, lembra.
“Este discurso se intensificou ainda mais neste governo, que é liberal, mas a verdade é que a estabilidade é necessária para o bom funcionamento do serviço público”, afirma. “Ela garante que o servidor não seja afetado por interesses escusos de terceiros e quem ganha não é o servidor somente, ganha também a sociedade porque terá um serviço público forte”, ressalta.
Para ela, não se deve generalizar os servidores públicos e destaca que os colegas da Câmara dos Deputados são altamente qualificados e passam por avaliações de desempenho regulares. Ela perdeu as contas de quantas avaliações já participou nos 25 anos de carreira no órgão.
“As avaliações existem e devem ser aprimoradas, devem ser levadas a sério e ter critérios bastantes claros e objetivos”, afirma. Na Câmara, Ana diz que os critérios foram definidos pela instituição e a avaliação é feita pela chefia imediata. Os que obtiverem mau desempenho sofrerão punições, como sanções técnicas até o afastamento e perda do cargo público.
Ela afirma que a reforma deveria não apenas prever demissões, mas investir na administração pública. “O serviço público é importante para o fortalecimento da sociedade, ele supre a necessidade dela. Ele está disponível a todos e quanto mais qualificados os servidores, melhor ele será. Quanto mais fortalecida a instituição, melhor para a sociedade”, declara.
Fonte: Correio Braziliense