Por que os mais ricos pagam menos imposto sobre a renda no Brasil

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Pelo menos três grupos que estão no topo da pirâmide se beneficiam de uma grande lista de isenções e deduções permitidas pela legislação.

A base da pirâmide social é, proporcionalmente, o grupo que mais paga imposto no Brasil.
Quase metade de tudo o que o governo arrecada vem de tributos cobrados sobre bens e serviços. É a chamada tributação indireta, que não leva em consideração a renda de quem está comprando: a alíquota que incide sobre a geladeira e a máquina de lavar é a mesma para o rico e para o pobre.

É a lógica inversa do Imposto de Renda, no qual quem ganha mais, paga mais. E o Brasil, ao contrário de países como México e Argentina, isenta a parcela mais pobre de pagamento — todo aquele com renda mensal menor que R$ 1,9 mil não precisa recolher IRPF.

Assim, o imposto é progressivo — ou seja, mais justo. Mas com um porém: entre os brasileiros com maior renda, o IR acaba beneficiando os mais ricos.
Quem mais paga é a classe média assalariada, aquela que tem carteira assinada.

“O IRPF tem um cipoal de isenções e deduções que beneficiam a classe média e alta, o que faz com a própria progressividade do imposto seja quebrada no topo da distribuição de renda”, diz a economista Luana Passos, com mestrado e doutorado em economia pela UFF e estudiosa do tema da tributação.
Entenda, a seguir, como a legislação — que a equipe econômica estuda modificar na fase três da reforma tributária — beneficia três grupos que estão no topo da pirâmide: empresários, médicos, advogados e outros profissionais liberais PJ e os 5% mais ricos.
Empresários

Isso não quer dizer que o dinheiro que entra no bolso do acionista nunca foi tributado. Sobre o lucro das empresas incidem, via de regra, dois impostos: o imposto de renda da pessoa jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL).
Na prática, entretanto, as alíquotas efetivas são muitas vezes menores que as do IRPF (que chega a 27,5%) e, ao contrário deste último, o imposto não vai crescendo à medida que a renda aumenta.
Isso quer dizer, de forma grosseira, que um empresário que recebe R$ 50 mil por mês na forma de dividendos muitas vezes paga proporcionalmente menos imposto sobre a renda do que um trabalhador com carteira assinada que recebe R$ 5 mil.
A alíquota do IRPF começa em 7,5% para quem recebe acima do limite de isenção (cerca de R$ 2 mil) e vai crescendo progressivamente até chegar em 27,5%, cobrado quem tem remuneração maior que R$ 4.664,68, sobre tudo o que excede esse valor.
Já as empresas podem pagar IRPJ em diferentes modalidades, a depender do seu porte e de suas características: no lucro real, no lucro presumido, por meio do Simples.
Cerca de 76% das empresas estão enquadradas no regime do Simples, que tem alíquotas progressivas que variam de 4% a 33% e englobam 8 impostos, entre eles o IRPJ.
O Simples tem uma particularidade no Brasil. Como o limite máximo de receita bruta para se enquadrar no regime é alto (de R$ 4,8 milhões por ano), ele acaba incluindo pequenas empresas que não são tão pequenas assim. No Reino Unido, por exemplo, o limite máximo de receita para se enquadrar no regime equivalente é de US$ 119 mil; na França, de US$ 104 mil, conforme os dados da OCDE.
Já entre as empresas enquadradas no lucro real (em geral as grandes), a alíquota marginal é salgada, de 34% sobre o lucro (IRPJ e CSLL).

Em boa parte dos casos, entretanto, as empresas não recolhem 34% sobre o lucro. Primeiramente, porque o lucro contábil não é o mesmo que o lucro fiscal, aquele levado em conta na hora de calcular o imposto. Há certas categorias de despesa (como as despesas com empréstimos, por exemplo) e incentivos fiscais que podem ser excluídos da base de cálculo, que fazem com que a alíquota efetiva seja inferior a essa.
Entre as companhias abertas, a média é de 22%, como aponta uma apresentação feita pelo economista Sérgio Gobetti, que há anos estuda o Imposto de Renda e, mais especificamente, a isenção da tributação de dividendos.
O auditor da Receita Federal Fábio Ávila de Castro acrescenta que, na prática, o Brasil tributa menos o lucro (em proporção do PIB) do que vários países da América Latina, como México, Colômbia e Peru. Isso pode indicar que muitas empresas fazem uso de um planejamento tributário agressivo — ou seja, usam todos os artifícios previstos dentro da lei para reduzir ao máximo a base de incidência do imposto.
O economista, que estudou o IRPF tanto em seu mestrado quanto no doutorado, pondera ainda que, apesar de o imposto de renda no Brasil ser bastante progressivo, ele nem sempre considera a chamada capacidade contributiva — a ideia de que aqueles que têm mais devem pagar mais, expressa na Constituição no artigo 145.

Entre aqueles que estão entre os 1% mais ricos, diz o especialista, ele chega a ser regressivo: quanto maior a renda, menor a incidência de IRPF.
E em um país de renda média e com profundas desigualdades como o Brasil, não é preciso ser milionário para estar entre os 1% no topo da pirâmide. Para se ter uma referência, a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua referente a 2019 apontou que, quando se leva em consideração a renda do trabalho, a renda média dos 1% mais ricos é de R$ 28 mil, quase 34 vezes mais do que o rendimento médio dos 50% da população com os menores rendimentos (R$ 850).

Fonte: BBC News

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