Artigo: “PLP 18/2022: conversa pra boi dormir”, por Carlos Brasil

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Em uma de suas fábulas, Esopo conta de um lenhador que se descuidou e o machado que tinha em mão caiu no fundo do rio; desolado, chorou. Hermes, deus grego da comunicação, logo surgiu. Apiedado, mergulhou e de lá trouxe um machado de ouro. “É o teu?”, perguntou. O lenhador respondeu que não. Novo mergulho e lá vem a divindade com um machado de prata. “Não, não é esse”. Na terceira tentativa, Hermes trouxe enfim um machado de lenhador. “Sim, é o meu”, disse o moço. Pelo exemplo de honestidade, Hermes premiou-lhe com os três machados.

A história se espalhou e outro lenhador quis comprová-la. Foi à beira do rio e jogou um machado na água, lamentando-se. Informado, o deus grego mergulhou, retornando com um machado de ouro. Perguntando se era o que havia perdido, o homem, alegre, falou: “Sem dúvida!”. Escolado, Hermes sacou a malandragem e não só ficou com o machado de ouro como também o outro. Moral da história: os deuses protegem o homem correto, mas desapontam o enrolão.

O que diria o divino ser sobre a desastrosa proposta do governo federal de reduzir as alíquotas de ICMS, especialmente os combustíveis? Que é uma grande enrolação, conversa pra boi dormir. A proposta trará muitas dificuldades para estados e municípios, inviabilizando investimentos públicos, promovendo redução ou até mesmo a extinção de programas sociais, tais como o Mais Infância e Vale Gás, dentre outros. Fundeb e FECOP serão fortemente afetados.

A enganosa primeira proposta de mudança no ICMS implicará em mais de 1,2 bilhão de reais em perdas anuais, somente aos municípios cearenses, conforme as mais modestas projeções da SEFAZ e TCE. Fortaleza perderá em torno de trezentos milhões de reais. Sem falar de quão drástica seria a última sugestão feita pelo governo federal de reduzir a zero toda a tributação. Diante de 33 milhões de famintos no Brasil, contingente mais carente dos projetos assistenciais desenvolvidos por estados e municípios, o PLP 18/2022 tem gosto de fome. Não há garantia de compensação, de redução no preço final dos combustíveis.

As pessoas vivem nas cidades, e a população mais vulnerável depende do desempenho do poder público municipal. Hermes tá vendo, desapontado, a arrumação do lenhador da hora.

Carlos Brasil Gouveia é fazendário, diretor de Organização do Sindicato dos Fazendários do Ceará (Sintaf)

Escrito por Carlos Brasil Gouveia

Publicado do jornal Diário do Nordeste

2 COMENTÁRIOS

  1. Sem conseguir resolver a questão dos preços internacionalizados dos combustíveis, o governo federal atri bui aos estados a responsabilidade do descontrole dos referidos preços, atropela a competência tributária exclusiva dos estados, envolvendo o Senado Federal neste jogo sórdido, o qual esquece da sua missão de representar os interesses dos estados no Poder Legislativo federal, contribuindo para instituir uma república de milícias, composta de 26 Haiti’s.

  2. O governo parece querer os Estados mais fracos, aumentar a pobreza e consequentemente a violência, levando mais caos para o país.

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