Stélio Girão Abreu, diretor de Aposentados do Sintaf, amante da boa música, leitor voraz da boa literatura, grande amigo do saudoso poeta Arievaldo Viana. As atenções voltadas aos cuidados com a preservação do patrimônio histórico da capital o trazem a este Perfil.
Já há algum tempo, ele tem se voltado à manutenção, de pé, do Casarão de Jacarecanga, edificação situada no Centro de Fortaleza, um dos primeiros condomínios residenciais da cidade, datado de 1907, de autoria do arquiteto húngaro Emílio Hinko. “É memória de que não podemos abrir mão”, defende. O prédio é vizinho do Sindicato dos Fazendários, do Liceu, da Cafaz Saúde, dos Bombeiros e do Cemitério São João Batista.

Localizado na rua Oto de Alencar, n° 50, esquina com Guilherme Rocha, a “verdadeira relíquia” está interditada pela Defesa Civil de Fortaleza há mais de três anos; a interdição tem base em um relatório de vistoria que identificou possível risco de o imóvel colapsar. Na Coluna Política de Eliomar de Lima do jornal O POVO, edição de 11 de julho de 2023, Stélio Girão já denuncia o abandono da edificação, que em 2021 experimentou o desabamento de uma das lajes, seguido de intervenção do imóvel pela Defesa Civil.
Descaso com a memória de Fortaleza
Stélio explica que no térreo do prédio funcionou o Bar do Fabiano, famoso pelos seus petiscos regionais. “Fui frequentador do Fabiano. Infelizmente, o conjunto de imóveis ali encravados, com uma arquitetura que se destaca pela beleza e imponência, foi abandonado pelo Patrimônio Público e aguarda uma solução da Prefeitura”. Ele informa que o apartamento número 02 – último andar – é de propriedade da Santa Casa de Fortaleza, que em 2023 contratou engenheiro e foi emitido laudo técnico apontando que a estrutura já não teria condições de ser recuperada. Em 2022, o processo foi encaminhado à Procuradoria Geral do Município.
“Em 2024, no entanto, um Parecer do Ministério Público do Ceará considerou a importância histórica da edificação e admitiu que a mesma é passível de recuperação”, comemora Stélio Girão. De acordo com os últimos entendimentos, entre idas e vindas, a Santa Casa renunciaria à posse do prédio para que o Município tome conta, restaure e dele faça um equipamento para uso público. “Vejo agora que há boa vontade das partes envolvidas de vermos o Casarão de pé, tornando a encantar por sua beleza e história”.
O fazendário está em contato com a urbanista Danielle Nina Távora, fundadora do Laurb – Instituto de Urbanismo Ecossistêmico (organização não-governamental que atua como laboratório urbano para o desenvolvimento de soluções de territórios que sejam fontes de criação de valor social, ecológico e urbano sustentável), interessada em dar novo sentido ao Casarão de Jacarecanga. “A proposta é que ele funcione como um hub de empreendedorismo social, um espaço que conecta iniciativas e oferece diversos serviços para potencializar projetos com foco na comunidade, fortalecendo a economia criativa e cultural local, para servir à comunidade e a comunidade contribuir com a cidade”.
Stélio e a defesa intransigente do Patrimônio Histórico
Infelizmente, no Brasil ocorre “anticuidado” com o patrimônio histórico. Temos 500 anos de histórias pautadas no novo, sem se respeitar o velho. Isso é destruir a memória. Esquecem os governantes que o patrimônio histórico, entre outras, é fonte de receita. As grandes capitais do Brasil, como Recife e Salvador, mantêm o seu patrimônio de forma invejável. E ainda hoje são atrativos para o mundo inteiro.
No entorno do Casarão de Jacarecanga, temos mansões, prédios antigos, edificações valorosas. Destruir aquilo lá é uma grave violação aos direitos da sociedade, é deixar que o nosso patrimônio se dissolva. O poder público tem que intervir nesses casos. Por exemplo, a sede do Sintaf está ali, somos vizinhos da história. Mais além, um pouquinho, tem o cemitério São João Batista, de “história bem próxima ao futuro de quase todos nós”.
Além da visita das pessoas ao bem público, a edificação representa um bem histórico ali fincado há décadas, com a possibilidade de gerar receitas a quem o gerir. O estado pode ocupar aquele espaço com equipamentos culturais, cafés, bibliotecas. É visão de futuro preservá-la, tendo como base o passado. Belchior disse que o passado é uma roupa que não nos serve mais. Mas um patrimônio dessa envergadura é inegavelmente algo que nos veste a memória de satisfação, sempre. Quem não conhece a sua história, o seu passado, dificilmente vai construir um futuro pertinente.
Infelizmente há a ideia de alguns de que a cultura é inútil, coisa de ociosidade, de quem não tem o que fazer. Não é verdade. Preservar é uma arte. A esse respeito, o escritor Ferreira Goulart ensina que ‘a arte existe porque a vida não basta’. Tem que preservar a nossa história. Não se trata de bairrismo. E arte é descobrimento, criação. Em grandes capitais a preservação do patrimônio é fundamental – fonte de receita inesgotável, vende todos os dias da semana.
Quando preservamos a nossa memória, sabemos para onde vamos, de onde viemos. Juntos, salvemos o Casarão de Jacarecanga.