
“Pajeú e o ser fortalezense” é o título do artigo publicado no portal Diário do Nordeste nesta sexta-feira (1/8), assinado pelo diretor da Fundação Sintaf, Luiz Carlos Diógenes. Confira:
“Pajeú e o ser fortalezense”
Pajeú, da foz, fez pia batismal de Fortaleza. Iracema, do Alencar, entre um balanço e outro nas vagas do mar, banhava-se do sal na bacia de água doce do providente riacho. Primeiro, dos pajés, antes dos povos mercantis. Oh, Mar de Iracema, quanto de teu sal cristalizou-se em gotas pajeuanas!?! Lágrimas, se ficaram, não foram de Portugal, nem de Holanda, mas de povo originário, pelo esbulho de seu território. O Riacho Pajeú, guardião avoengo da aura e da alma do ser fortalezense, permanece, todavia, a despeito de quem o esquece.
Pequenino e curtinho riacho, de águas afeitas mais às necessidades de pote do que às aventuras de barco, irrigou mais poesia do que desejos de posse. O óleo gorduroso do ter não compõe com a pureza magnânima do ser água, condição do belo da vida. Fio de rio, Riacho Pajeú, perante a visível abundância, sempre ela!, mirava, de um lado e outro da sua foz, as águas avolumadas do Rio Ceará e a enseada do Mucuripe. Águas correntes rolando sementes das serras, debruçadas sobre o ser de Fortaleza, para viagens atlânticas, salgadas de colonialismo civilizatório ocidental.
O mar que une continentes é o mesmo que separa interesses de senhores e súditos. Rio Ceará, primeiro experimento de entrada das volumosas ambições, quimera do explorador, em transpor o Tejo para a barra de uma Nova Lisboa. Capital seria, de sesmarias de estaqueadores da Nova Lusitânia, anexo do império colonial. Fantasias malogradas! O oráculo se cumpriu tragicamente no pesadelo de um Pero. Em pelos, nenhum Coelho de Sousa deixou. Apenas ossos de sangue lusitano, nas laváveis areias litorâneas.
Imaginações revisitadas por um Moreno, Martim Soares, ibérico um pouco mais experiente, também não descortinara os curtos véus de um humilde Pajeú, enxergado só mais tarde por um ruivo Matias Beck holandês. Àquele, português, se não divisara Fortaleza pequena, enxergara o Ceará grande. Para a história oficial ficou. Sobretudo para a história mítica, ao fecundar no colo de uma nativa dos lábios de mel, a semente de um povo, no correr da pena e da imaginação de um cearense iluminado pelo sol e temperado pelo sal da terra.
Luiz Carlos Diógenes é diretor de Cidadania, Inclusão Social e Cultura da Fundação Sintaf e pesquisador












Excelente texto, um resgate primoroso do Rio onde nos mostraram a origem de um povo, com as bênçãos do rio Pajeu . Quem sabe , acrescento com humildade a esse magnifico texto , seria o espirito de um Paje que reina nos encantos e cantos da suas águas deslizantes.