Opinião: Momento inoportuno para a reforma tributária*

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*João Diniz

Faltam pouco mais de seis meses para as eleições. Em meio a esse contexto de indefinições, algumas forças políticas e um setor, a indústria, tenta empurrar de forma açodada a votação da PEC 110, que trata da reforma tributária sobre o consumo.

Não faz sentido agora mudar a Constituição em 90 dias para impor algo mal resolvido, que impacta toda a estrutura produtiva do país e que se refletirá no emprego, no consumo e na vida dos cidadãos pelos próximos 20 anos ou mais.

Some-se a isso o fato de que boa parte das questões serão resolvidas na legislação infraconstitucional, como o Imposto de Bens e Serviços (IBS), que junta ISS e ICMS e não há nem sequer um rabisco da proposta de lei complementar, e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), que há o projeto de lei 3.887/2020, uma bomba atômica sobre expressiva parte dos serviços. Inaceitável!

Através da criação de uma alíquota única para bens e serviços, a PEC 110 transfere grande parte da carga tributária de uma indústria cada vez mais automatizada e dos bens importados para um setor empregador como o de serviços, presente em todos os estados brasileiros, o que é um acinte.

No caso da mensalidade escolar, hoje incidem 2% de ISS, somado a 3,65% de PIS e Cofins e mais uns 3% dos resíduos tributários. Com a reforma, ela poderá pagar de CBS mais IBS algo em torno de 28%! É possível imaginar os efeitos desses aumentos na educação e também sobre passagens, saúde, lazer, segurança, turismo e diversos outros setores, com reflexos negativos nos empregos da população de renda mais baixa, em especial nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste.

A pergunta estratégica é: se a tributação deixará de ser na origem e passará a ser no destino, faz sentido para um parlamentar votar em uma proposta para reduzir a carga tributária de bens fabricados em outros estados e até importados de outros países e aumentar pesadamente impostos sobre os serviços que geram emprego na sua unidade federativa?

O fato é que falta consenso mínimo para que a proposta possa avançar. A maior parcela do setor produtivo brasileiro se opõe à proposta junto com os serviços. O mesmo ocorre com a Frente Nacional dos Prefeitos, que reúne municípios com 61% da população e 74% do PIB do país.

Ainda que não considere a proposta mais adequada, o setor de serviços não se furtou a conversar e colocou a sugestão de limites para alíquotas do setor, conforme as emendas 170 e 234, que impedem o seu aumento de carga. Com isso, além de preservar empregos, seria possível ainda eliminar pelo menos cinco anos de transição com a surreal convivência da CBS e do IBS com ISS e ICMS.

Assim, mesmo com as sugestões que impedem o aumento de carga sobre os serviços, a indústria ainda seria a grande beneficiada pela reforma; porém, tais limites impediriam que esse ganho da indústria ocorresse em prejuízo dos demais.

Felizmente, muitos senadores têm observado que são imprescindíveis as melhorias na PEC. O desenvolvimento regional tem pautado o debate. Os setores de serviços são a base para esse crescimento e para o emprego, especialmente nos estados que não têm uma boa estrutura industrial.

Assim, até que uma solução que atenda a todos, e não apenas a um setor (indústria), seja alcançada, é preciso rejeitar ou adiar a aprovação da PEC 110 —para o bem dos brasileiros.

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Fonte: Folha de São Paulo

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