Opinião | A reforma tributária talvez devesse ser a principal pauta da juventude

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Quem tem a meia-entrada na hora de pagar impostos? É sabido que o sistema tributário brasileiro é regressivo: quanto mais se ganha, menos se paga. Isto é, os mais pobres pagam mais tributos do que os mais ricos, em proporção de sua renda. Mas também sabemos que a pobreza se concentra desproporcionalmente na juventude. Seria a reforma tributária também uma oportunidade de um novo pacto geracional?

Podemos começar a análise com os dados do Imposto de Renda. Eles são limitados, já que a maior parte dos brasileiros não tem renda suficiente para declarar. Mas a Receita Federal disponibiliza o corte por faixa etária entre os declarantes.

Mecanismos que permitem aos mais ricos pagar menos imposto também estão visíveis neste corte etário. Para os contribuintes do IR que são homens entre 19 e 30 anos, a parcela da renda que é isenta de pagar o imposto é de cerca de 25%. Este valor chega a quase 40% para os declarantes homens que tenham entre 61 e 70 anos. A parcela da renda isenta de pagar imposto chega a quase 50% para os com mais de 70 anos. Para mulheres, a desproporção ainda existe, mas é menor.

Ainda segundo estes dados, são justamente as faixas etárias mais velhas que possuem maior patrimônio, quase 10 vezes maior – por pessoa – do que na faixa dos adultos jovens. É natural que ao longo da vida as pessoas acumulem patrimônio. Mas por que esses declarantes mais ricos têm mais isenções para pagar o imposto?

Uma explicação possível é a famosa isenção sobre lucros e dividendos, que permite a alguns grupos pagar 0% do imposto sobre certas rendas, em vez dos 27,5% a que se sujeitam trabalhadores formais. Pode ser que entre os mais velhos haja mais sócios de empresas ou profissionais liberais bem estabelecidos que se organizam como pessoas jurídicas para não recolher tanto imposto. Há também tratamento mais benéfico para os aposentados e portadores de doenças crônicas.

Mas o Imposto de Renda é apenas um dos vários tributos existentes. É um imposto direto, mas boa parte da renda dos brasileiros paga tributos de forma indireta. É o caso dos tributos que incidem sobre o consumo da população, mais onerado no Brasil do que em outros países. Sabe-se que, no conjunto de tributos, os mais pobres tendem a pagar mais em relação à sua renda.

Isso ocorre por diversos fatores: pobres consomem mais de suas rendas, ricos possuem instrumentos para pagar menos tributos diretos, pobres consomem relativamente mais bens do que serviços (menos tributados). Nos cálculos de Rodrigo Orair e Sergio Gobetti, o décimo mais pobre da população gasta mais de 30% da renda com tributos. O décimo mais rico gasta cerca de 20%.

Mas quem são esses brasileiros que estão na parte de baixo da distribuição de renda? Sabemos que a pobreza afeta desproporcionalmente mulheres e negros, mas também os jovens. No pré-pandemia, 3 de cada 10 jovens com idades de 15 a 29 anos viviam abaixo da linha da pobreza. Para faixas etárias mais avançadas, a taxa é menor (menos de 10% para os com mais de 60 anos).

Falta integrar a discussão sobre a distribuição etária da pobreza com o debate do sistema tributário. Se o sistema tributário exige mais dos mais pobres, e entre os mais pobres predominam os jovens, não seriam os jovens os que mais pagam impostos no Brasil?

Veja que nem entramos aqui no papel que a estrutura tributária tem em limitar a própria renda deles, ao tributar pesadamente o seu trabalho e contribuir para sua alta taxa de desemprego.

A realidade do nosso sistema tributário regressivo pode ser mudada por algumas propostas de reforma tributária. A que unifica vários tributos no IBS (Imposto sobre Bens e Serviços) diminuiria o peso dos tributos no consumo dos mais pobres, equilibrando melhor o ônus com os mais ricos.

Quanto à tributação direta da renda, há outras propostas para fazer os mais ricos pagarem mais, revendo privilégios como a isenção sobre lucros e dividendos para alguns grupos. Reduzir a tributação sobre o trabalho, como já é feito para jovens mais ricos que fazem estágio, também é parte da agenda.

A reforma tributária talvez devesse ser a principal pauta da juventude. No sistema tributário, não são eles que pagam a meia-entrada.

*Pedro Fernando Nery, Doutor em Economia

Fonte: Estadão

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