O risco de se usar a Reforma Administrativa para um retrocesso golpista

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Proposta do Governo introduz a figura do estatutário precarizado por prazo indeterminado

A proposta de Reforma Administrativa do Governo, elaborada pelo Ministério da Economia e enviada para o Congresso, está sendo discutida na mídia e no Legislativo. Os debates produzem oportunidades para melhoria da proposta, que contém, dentre outros pontos problemáticos, a estranha ideia de um novo regime estatutário precarizado.

O Governo sinaliza a descrença no regime celetista como o vínculo adequado para prover quadros de organizações governamentais, e não chegou a este equívoco sozinho. Várias decisões judiciais revelam uma confusa visão do Judiciário em relação às diferenças entre os dois vínculos. O Supremo Tribunal Federal (STF), erraticamente, tem ora considerado que empregados de estatais estão protegidos da demissão, ora não. Em 2015, adotou a tese de que a demissão dos empregados de estatais deve ser sempre motivada; em 2018, reviu a tese, para limitar sua aplicação a empresas públicas que não exploram atividade econômica. O STF deve revisitar o tema em outubro

A proposta do Governo introduz a figura do estatutário precarizado por prazo indeterminado, porém sem os direitos do regime estatutário. Isto cria uma balbúrdia de regimes jurídicos paralelos. Paradoxalmente, o servidor “por prazo indeterminado”, se desligado, não fará jus ao FGTS ou a multa rescisória – um ponto para negociação? – e continuará sem poder recorrer ao Judiciário para fazer valer a data-base que, no plano federal, vem sendo ignorada há 18 anos.

O Governo já dispõe de mecanismos amplos para contratação de temporários – que poderiam ter sido aprimorados, se ele próprio não se desinteressasse pela aprovação da MP 922.

Pode demitir servidor, em caso de desempenho insuficiente, desde que regulamente a legislação. Do ponto de vista previdenciário, a Emenda 103 já eliminou justificativas para adoção de novo regime funcional.

Uma alternativa para se tentar viabilizar a proposta do Governo pode ser adicionar à proposta uma série de melhorias que delimitassem a possibilidade desse tipo de contratação ao exercício de atividades de apoio administrativo ou operacional, apenas, e equiparassem seus direitos aos previstos para os celetistas, por exemplo, no que se refere ao FGTS, ao aviso prévio, etc. A Câmara tem a chance de melhorar a proposta, bem como o Senado mais adiante

O debate não tem avançado nesta direção. Mas o maior problema está noutro ponto.  Debate-se a distinção entre carreiras típicas de Estado e as demais, fazendo uma confusão conceitual que ignora a natureza dos serviços públicos universais e gratuitos, definidos na Constituição como direitos do cidadão e deveres do Estado, para os quais é indispensável um corpo de servidores profissionais e protegidos contra desmandos.

Este debate volta à cena nacional, numa perversa aliança entre aqueles que possuem uma visão minimalista do Estado e os que se engajam em processo de aparelhamento político das forças de segurança. Esta é uma estratégia de fidelização ideológica despudorada que dialoga com um mal disfarçado propósito de “corporativismo golpista”, favorecendo os potenciais aliados do projeto político embutido na proposta. Está aberto o caminho para se consolidar o “Estado Gendarme”.

Uma reforma administrativa bem formulada pode melhorar a administração pública. Mas pode também piorar as coisas. Cabe à Câmara e ao Senado agregar valor à moldura legal do Estado brasileiro e assegurarem o funcionamento da democracia no país.

Fonte: JOTA

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