O Cadastro Geral de Empregados e Desempregados soma 1.211.704 de carteiras assinadas no Estado, enquanto são mais de 1,3 milhão de famílias ganhando R$ 105 per capita, conforme dados do CadÚnico
O Ceará apresenta mais de 1,3 milhão de famílias vivendo em situação de extrema pobreza. Ao todo, conforme dados do Cadastro Único para Programas Sociais (CadÚnico), são 1.327.594 grupos familiares cearenses com o desafio de sobreviver com renda familiar mensal de até R$ 105 por pessoa.
Dado representa uma realidade de abismo social, insegurança alimentar e vulnerabilidade econômica e se agrava diante do fato de que o Estado apresenta mais famílias nessa situação do que o total até mesmo de pessoas trabalhando no mercado formal do Estado.
Cruzamento de dados feito pelo O POVO revelou que, no Ceará, o número de famílias em extrema pobreza chega a ser 8,72% maior do que a quantidade de empregados com carteira assinada.
Conforme dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), o Estado computa 1.211.704 carteiras assinadas em junho deste ano, enquanto a quantidade de grupos familiares com renda per capita de até R$ 105 por mês é de 1.327.594. Diferença é de 115.890 entre os dados.
“Não só uma questão de emprego, mas sim de que tipo de emprego e em quais condições ele está sendo gerado. O que vivemos hoje é uma ampla disseminação do subemprego, com salários menores, carga horária dilatada e precarização”, argumenta Wandemberg Almeida, membro do Conselho Regional de Economia do Ceará (Corecon).
O economista avalia ainda que até quatro em cada dez famílias cearenses tiveram redução na renda neste ano.
“O mercado de trabalho está enfraquecido para a maior parte da população, para a base de tudo, a renda não é proporcional aos custos elevados, se descontarmos toda inflação acumulada durante a pandemia, muitos receberiam menos que um quarto do salário mínimo”, complementa.
“O sucesso de um programa social é medido pela quantidade de pessoas que conseguem a independência por meio dele, não por quantas pessoas ele atinge”, reitera ao criticar a falta de direcionamento, amparo e incentivo para que essas famílias tenham possibilidades de mudar de realidade socioeconômica.
A falta de políticas públicas de incentivo à geração de empregos, de qualificação profissional e de garantia de acesso à produtos de primeira necessidade agravam o contexto de miséria, conforme pontua Wandemberg.
Ele argumenta que, para além de políticas de transferência de renda, fazem-se necessárias ações que possibilitem a emancipação dessas famílias de tais programas sociais.
Uma pesquisa do Instituto Mobilidade e Desenvolvimento Social (IMDS) concedida com exclusividade ao O POVO ainda em maio revelou que o Ceará é um dos estados do Nordeste com menor percentual de saída do cadastro (57%), ficando à frente somente de Sergipe (56%), Piauí (55%) e Rio Grande do Norte (55%).
“É um cenário em que as pessoas estão reféns de ações de transferência de renda que sequer garantem a compra do mínimo do mínimo necessário para sobrevivência. As pessoas estão literalmente escolhendo se almoçam em um dia ou se jantam no outro”, complementa.
Nesse contexto, a economista Carolina Matos, expressa preocupação com mudanças no perfil dos empregos na retomada econômica após os primeiros anos de pandemia. Ela alerta para um “rebaixamento de salário generalizado” e aponta uma omissão, em especial do Governo Federal.
“As empresas se aproveitaram de um momento de crise para adotar um nível salarial muito menor do que praticavam há dois anos e com a inflação, isso gera uma queda no poder de compra ainda mais intensa”, destaca.
Ao definir o contexto como “triste” e “um absurdo”, Carolina reitera a necessidade de uma articulação política técnica e sensíveis aos temas sociais.
“O Brasil perdeu o melhor momento, e o mais legítimo, para pautar a tributação de grandes fortunas em prol daqueles que vivem na miséria. Infelizmente toda ação, especialmente agora com a proximidade das eleições, é e serão apenas oportunistas e eleitoreiras”, destaca ao criticar a omissão governamental frente ao amplo surgimento de novos bilionários no Brasil enquanto o País retorna ao mapa da fome no mundo.
“Reformas como essas, como a tributária, a do imposto de renda, que corre risco de pessoas assalariadas terem que pagar o tributo, coisas que poderiam melhorar a qualidade de vida das pessoas, não são prioridade. Em contrapartida, mudanças como a reforma trabalhista que é o que está permitindo empresas contratarem com menores salários, com menos direitos, avançam facilmente no governo”, acrescenta.
Carolina finaliza a análise pontuando ser “impossível descrever a dor dessas famílias quando sentem a necessidade e tentam fazer compras do básico, do essencialmente básico e não conseguem, mesmo aquelas que recebem benefícios”.