Mundo do Trabalho: Sintaf participa de debate sobre dívida pública

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“Dívida pública: isso interessa ao trabalhador?” foi o tema do programa Mundo do Trabalho desta terça-feira (8/10), na FM Universitária. O programa, com apresentação do jornalista Márcio Rodrigues, contou com a participação do diretor de Organização do Sintaf, Lúcio Maia, e da economista Gisella Colares, representante da ONG Auditoria Cidadã da Dívida, com sede em Brasília. A entidade foi fundada em 2000 com o objetivo de realizar, de forma cidadã, a auditoria da dívida pública brasileira.
Na abertura, Márcio Rodrigues destacou que o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT), no Art. 26, prevê o “exame analítico e pericial dos atos e fatos geradores do endividamento externo brasileiro” no prazo de um ano a contar da promulgação da Constituição, pelo Congresso Nacional – o que nunca foi concretizado.
Endividamento não atende à sua finalidade
De acordo com a economista Gisella Colares, o endividamento público, em tese, deve financiar gastos sociais e investimentos do Estado. No entanto, esse endividamento não vem atendendo a essa finalidade. “Ao invés de transferir renda para sociedade, visando o bem estar social, o endividamento público é um Robin Hood às avessas: transfere recursos da sociedade, do fundo público, para o sistema financeiro”, apontou.
Esse conjunto de mecanismos composto por uma legislação que privilegia o sistema financeiro (e que o legitima), dando ar de legalidade para essa transferência de renda, é chamado pela Auditoria Cidadã de ‘sistema da dívida’. “Isso atrapalha o desenvolvimento socioeconômico, porque o Estado, ao invés de investir no desenvolvimento das pessoas, nas instituições, universidades, habitação, ciência e tecnologia, saúde etc., está transferindo renda para um setor que é estéril do ponto de vista produtivo, pois o sistema financeiro, ao invés de intermediar recursos para dinamizar investimentos, não chega a financiar a economia real”, criticou a representante da Auditoria Cidadã.
Recursos continuam centralizados nos bancos
Por sua vez, o diretor do Sintaf, Lúcio Maia reforçou que a dívida que o Estado contrai – tanto a União, como Estados e municípios – deveria financiar gastos públicos para investimentos. “Mas o que ocorre em nosso país, desde o governo de FHC, em 1994, e vem se agravando ainda mais, é o lançamento de títulos públicos pelo governo, no mercado, que são comprados em sua maioria pelos bancos. Dessa forma, o dinheiro volta para o próprio sistema financeiro”, apontou.
Quando os bancos adquirem títulos do governo, este garante 100% de liquidez – que é a facilidade com que estes títulos serão convertidos em dinheiro. “Com isso, os bancos garantem a margem de lucro desejada. E quando vão emprestar, principalmente para pessoas jurídicas, a taxa de juros é muito maior, inviabilizando a formação de capital de giro pelas empresas e prejudicando a geração de emprego e renda”, enfatizou Lúcio Maia. Com isso, os recursos continuam centralizados nas mãos dos bancos. “A estes não interessa emprestar a juros mais baixos, pois ganham muito mais com capital investido no governo. E quem perde com isso é a sociedade”, salientou o diretor.
União gasta 39% de seu orçamento com a dívida
Lúcio evidenciou ainda que, somente em 2018, o orçamento da União gastou com o serviço da dívida pública – composta por juros, amortização e refinanciamento – R$ 1,65 trilhão. “Isso corresponde a 39% do orçamento da União. Não é que o Estado não possa contrair dívida, mas o pagamento deve ser feito em longo prazo, a uma taxa de juros viável, o que não está acontecendo. Em 2019, até agosto, a União já gastou R$ 969 milhões com o pagamento do serviço da dívida (o percentual é o mesmo: 39%). Nesse cenário, o principal beneficiado é o capital financeiro especulativo”, criticou Lúcio Maia.
A dívida pública é legítima?
A economista Gisella Colares disse ainda que hoje a discussão se limita ao tamanho da dívida, visando avaliar se a mesma vem crescendo de forma explosiva ou sustentável. “Mas o foco não é esse. A questão principal é: essa dívida é legítima? Esse estoque de dívida que temos a pagar foi utilizado para quê? Qual foi a contrapartida para a sociedade? Mesmo que seja sustentável essa dívida tem legitimidade?”, questionou a representante da Auditoria Cidadã.
Gisella reiterou que na CPI da Dívida Pública, ocorrida entre 2009 e 2010, que teve a participação da Auditoria Cidadã, foi descoberto que estoque da dívida pública brasileira passa por uma dupla atualização monetária. “Existe a atualização que já está embutida nos juros nominais do próprio título, que pode variar (ser Selic ou IPCA mais um percentual), e eles fazem uma atualização do estoque como um todo pelo IGPM. Isso acarreta num aumento artificial do estoque da dívida, permitindo que o governo lance outros títulos para se financiar, para pagar o que ele afirma que é amortização, mas que nós percebemos que são os juros que estão travestidos de amortização”, explicou.
“Se analisamos os dados do orçamento e comparamos juros e amortizações na série histórica, percebemos que o percentual de juros é muito inferior ao percentual de amortização e mesmo assim o estoque aumenta. Se a amortização estivesse ocorrendo, se estivéssemos de fato pagando, abatendo uma parte da dívida do principal, o estoque estaria diminuindo”, completou.
Congelamento dos investimentos prejudica economia
O diretor Lúcio Maia denunciou ainda que a Emenda 95, que congelou os gastos de investimentos do governo federal por 20 anos, visa tão somente priorizar o resultado primário – aquilo que o governo economiza para pagar o serviço da dívida pública. “A partir da Emenda 95, de 2016, o governo parou de efetuar investimentos para gerar emprego e renda, optando por beneficiar ocapital financeiro especulativo. Hoje, no nosso país, ninguém mais faz investimento para gerar emprego e renda. É mais interessante comprar títulos do governo, que têm retorno garantido e menor risco”, evidenciou. “Enquanto a Emenda 95 não for revogada, para liberar os investimentos, a economia continuará estagnada”.
Mais de 100 anos para receber a dívida ativa
O diretor do Sintaf enfatizou que se fala muito de dívida pública, que se refere aos empréstimos contraídos pelo Estado, mas pouco se fala da dívida ativa – valores devidos pelos contribuintes, pessoas físicas ou jurídicas que não pagaram seus tributos. “No Brasil, é muito bom investir na compra de letras do Tesouro e dever tributos ao Estado. Para se ter uma ideia, basta comparar a dívida fundada da União, que são os empréstimos contraídos com terceiros, e a dívida ativa, que é o direito que ela tem de receber dos tributos que ela lança e não são pagos pelos contribuintes. Para pagar os empréstimos, o prazo médio é de 13 anos; já para receber a dívida ativa, a União leva em torno de 120 anos (análise da série histórica de 2015-2018)”, apontou o diretor.
No Estado do Ceará não é diferente: o governo leva, em média, 100 anos para receber a sua dívida ativa e tem prazo médio de 16 anos para pagar seus empréstimos. “Em uma empresa privada, esse ciclo operacional é inviável. O governo afirma que a dívida ativa é difícil de cobrar, mas o problema é a execução, muito demorada, burocrática, e ninguém resolve isso. E para piorar a situação, o governo ainda lança programas de refinanciamento dessas dívidas, como o Refis, que estimulam ainda mais a inadimplência dos maus contribuintes, em detrimento daqueles contribuintes que pagam seus tributos em dia”, finalizou Lúcio Maia.
Assista à gravação do programa
Para assistir à gravação do programa, acesse a fanpage do Sintaf no facebook (Sinta Ceará) ou siga o Sintaf no Instagram (@sintaf_ce) e assista a trechos do programa no IGVT, plataforma de vídeos do Instagram.
Saiba mais sobre a Auditoria Cidadã
O Entre Vistas, da TVT, entrevistou a coordenadora nacional da Auditoria Cidadã da Dívida, Maria Lucia Fattorelli, para bater um papo sobre “Quem ganha com a dívida pública?”. Confira em:
Acesse ainda os vídeos e artigos da entidade através do site auditoriacidada.org.br.

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