Expressões e práticas proibidas: sem juros e taxa zero

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Depois de quase dez anos tramitando no Congresso, o Senado aprovou o projeto de lei que proíbe práticas consideradas enganosas na concessão de crédito para tentar evitar o superendividamento de consumidores. A proposta segue para sanção do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

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O texto inicial, de autoria do ex-senador José Sarney, foi apresentado em 2012, e votado pela primeira vez no Senado em 2015, mas só foi concluído pela Câmara no início de maio.

As mudanças acrescentam trechos ao CDC (Código de Defesa do Consumidor) e trazem regras para tentar tornar as ofertas de empréstimos mais transparentes. Fica proibido, por exemplo, fazer referência a crédito ‘sem juros’, ‘gratuito’, ‘sem acréscimo’, com ‘taxa zero’ ou a expressão de sentido ou entendimento semelhante.
Também não será permitido indicar que a operação poderá ser concluída sem consulta a serviços de proteção ao crédito ou sem avaliação da situação financeira do consumidor.
No momento da oferta, deverão ser informados o custo efetivo total, bem como detalhar os juros, taxas, encargos e montante de prestações.

De acordo com o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), aproximadamente 60 milhões de pessoas estão endividadas no Brasil. Dessas, 30 milhões estão superendividadas, ou seja, perderam capacidade de pagar as dívidas e de quitar contas básicas como alimentação e moradia.

“A gente só vai tirar a economia do negativo quando conseguir tirar as pessoas do negativo. E esse projeto fará exatamente isso: limpar o nome de quem está endividado e devolver a dignidade e a capacidade de consumo a essas pessoas. Esse não é um problema individual, é social”, defendeu Rodrigo Cunha (PSDB-AL), relator do texto.
Para Ione Amorim, economista e coordenadora do programa de Serviços Financeiros do Idec, as mudanças são necessárias para conscientizar o consumidor sobre os riscos de se adquirir crédito e comprar a prazo.

“Essa questão da disciplina da oferta é muito importante. A publicidade explora muito esse caráter de oferecer produtos em várias vezes sem juros. A gente sempre soube que isso não era real, porque tem uma engenharia por trás que viabiliza isso, mas acaba sendo um indutor para os consumidores se endividarem. É preciso trazer consciência para o consumidor que crédito tem riscos, tem juros”, destaca.

O advogado Camilo Onoda, que atua na área de direito do consumidor, ressalta que o CDC já proíbe a propaganda enganosa ou abusiva, mas defende as mudanças e diz que elas não se caracterizam como uma intervenção indevida do Estado nas relações de consumo.

“Aqui no Brasil, a publicidade e a propaganda não são interpretadas como face da liberdade de expressão. A nova lei torna mais explícito o que é proibido. A partir do momento que o legislador fala que não se pode usar essas expressões, a pessoa que foi induzida a erro entende mais facilmente que teve um direito lesado. Isso facilita a compreensão do consumidor do que pode ou o que não pode ser feito”, explica.
O descumprimento das novas regras por parte do fornecedor poderá resultar na redução dos juros, dos encargos ou de qualquer acréscimo previsto no contrato original, além de prejuízo de outras sanções e de indenização por perdas e danos, patrimoniais e morais, ao consumidor.

A medida também traz mudanças relacionadas ao crédito consignado, permitindo que o consumidor desista em até 7 dias da contratação a contar da data da celebração ou do recebimento de cópia do contrato, sem necessidade de indicar o motivo.

O crédito liberado deverá ser restituído com eventuais juros incidentes até a data efetiva da devolução, além dos tributos como o IOF.

Quem adquiriu dívidas mediante fraude ou má-fé não poderá ser beneficiado pelas mudanças. O consumidor superendividado terá o direito de solicitar a instauração de processo de repactuação de dívidas. Nessa situação, a nova lei prevê que o juiz realize uma audiência conciliatória com todos credores para que o consumidor apresentará proposta de plano de pagamento com prazo máximo de cinco anos.

Na repactuação de dívidas, o texto obriga que o acordo para pagamento das dívidas garanta um mínimo existencial à sobrevivência do consumidor. Esse valor deverá ser regulamentado por decreto. (Folha Press)

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