Professor Israel Batista afirma que projeto de Guedes e Bolsonaro mutila Constituição, é fiscalista e não ataca privilégios
Presidente da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público —a Servir Brasil—, o deputado Professor Israel Batista (PV-DF) diz, ao criticar a reforma administrativa do governo Jair Bolsonaro (sem partido), que estabilidade é inegociável.
“Qual a chance de um professor ser carreira típica de Estado? Não tem a menor chance”, afirma Batista à Folha. Pela reforma, apenas cargos típicos de Estado, que serão definidos posteriormente em lei, serão estáveis.
Nesta quinta-feira (20), há a previsão de votação na CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Câmara do parecer com aval à proposta do governo. Depois, o texto seguirá para comissão especial e, por fim, plenário.
Batista tem a missão de fazer colegas votarem contra a PEC (Proposta de Emenda à Constituição) 32/2020. “Nós vamos para cima dos indecisos”, diz.
Dois pontos da reforma foram retirados pelo relator Darci de Matos (PSD-SC) na CCJ: o chefe do Poder Executivo poder organizar autarquia por decreto e outro que veda realização de qualquer outra atividade remunerada, inclusive servidor de carreira típica de Estado. Qual avaliação o sr. faz desses pontos? Já defendíamos que o presidente não tivesse poder de extinguir órgãos, autarquias, por meio de decreto, nem prefeitos nem governadores. Foi uma decisão acertada.
A decisão de permitir que servidores de carreiras típicas [recebam remuneração], que nós não sabemos exatamente quais são essas carreiras, porque a PEC é um cheque em branco, e vamos decidir isso depois em meio à pressão de todas as carreiras para receber essa nomenclatura, não mexeu em nada do que seria uma inconstitucionalidade.
O relator não atacou problemas essenciais, como a irredutibilidade dos salários dos servidores.
Havíamos alertado o deputado Darci de Matos sobre o fato de que a PEC está acrescentando certos princípios que não são princípios, são diretrizes. Princípio da subsidiariedade? Sabe o que isso significa ao ver da frente Servir Brasil?
Significa que, para a oferta de serviços nos centros, onde é lucrativa, rentável, vai se entregar para a iniciativa privada. Para aqueles lugares onde não é lucrativa, vai entregar para as organizações sociais. Para aquelas regiões onde não há nenhum interesse da iniciativa privada, vai sobrar para o Estado com servidores indicados por apadrinhamento.
Hoje são cinco princípios, e a PEC acrescenta mais oito. Qual o impacto desses princípios, e principalmente o da subsidiariedade, na concepção do Estado brasileiro? Ao incluir a subsidiariedade, o Estado brasileiro renuncia à sua função, à sua obrigação de fornecer serviços à sociedade, de educação, saúde, segurança pública e assistência social.
O Estado abre mão de ser o responsável. O que é uma constante neste governo.
A solução deste governo para segurança pública é facilitar o acesso às armas para que o cidadão se proteja. A solução para a educação é homeschooling: eduque seu filho em casa.
Ao acrescentarmos princípios, vamos ter excesso de judicialização. Por exemplo: como podemos afrontar o princípio da boa governança? Vai ser um prato cheio para a abertura de processos, para perseguição política, para ter um Ministério Público exorbitando funções.
A Constituição está sendo mutilada. O maior adversário do governo Bolsonaro não é a oposição. O maior adversário do governo Bolsonaro é o projeto constitucional de 1988
Esses princípios em tese não podem ser delineados agora na comissão especial? É o que vamos tentar, é o que nos resta. Mas estão acrescentando princípios à Constituição, isso é matéria da CCJ. Se há 13 princípios, não há nenhum.
O governo é liberal e conservador. O que acontece com a Constituição? A Constituição está sendo mutilada. O maior adversário do governo Bolsonaro não é a oposição. O maior adversário do governo Bolsonaro é o projeto constitucional de 1988.
O governo faz essas mudanças com a ajuda do presidente da Câmara, Arthur Lira, uma vez que as escolhas de relatores passam por ele. Isso ajuda o governo? No momento em que o governo tenta descaracterizar a Constituição profundamente e em que a sociedade está em luto chorando seus mortos —ela não está participando do debate ativamente—, o Congresso deveria servir de freio de arrumação e assumir o papel de contrapeso.
A PEC propõe cinco tipos de vínculos. Como o sr. avalia esses vínculos? E como vê a estabilidade restrita a cargos típicos de Estado que serão regulados depois por meio de projeto de lei complementar? É o principal ponto da reforma proposta pelo governo. Esse é o maior defeito da reforma.
O governo busca com essa multiplicação dos vínculos burlar o concurso público de alguma forma, aumentar a quantidade de trabalhadores públicos temporários e enfraquecer o seu compromisso com seus trabalhadores.
O trabalhador ao envelhecer, ao invés de ter reciclagem, ter formação continuada, será simplesmente dispensado. O vínculo de experiência é muito difícil de ser implementado. Como implementar isso para um delegado de Polícia Federal? Vai ter acesso restrito aos inquéritos?
Na verdade, as formas de vínculos se resumem a duas: com estabilidade e sem estabilidade.
A intenção do governo é fazer com o que o Brasil volte às condições político-administrativas da República Velha, quando se escolhia diplomata por sobrenome. Esse é o Brasil que o governo quer de volta. Para a frente Servir Brasil, a estabilidade é inegociável.
Na CCJ, o ministro Paulo Guedes gastou boa parte do tempo para dizer como o Brasil pode começar a crescer. Foi possível entender a reforma que o governo quer? O ministro veio direto do país das maravilhas. Foram falas desconectadas da PEC 32.
Ele quer falar de privilégios, mas a PEC não trata de privilégios. Se quisesse tratar, já teria pedido a aprovação do projeto de lei 6.726, de 2016, que estabelece o teto remuneratório do serviço público. Ele não teria autorizado teto dúplex para membros do governo.
Fala de privilégios, mas a PEC não fala de juízes, deputados, não fala de ninguém que tem privilégio.
Essa PEC é direcionada para técnicos de saúde, secretários escolares, que são a maioria dos servidores brasileiros cuja média salarial mensal é de R$ 2.700. É contra eles que esta PEC está sendo produzida.
[O governo] Fala de privilégios, mas a PEC não fala de juízes, deputados, não fala de ninguém que tem privilégio
Deputado, existem discrepâncias que precisam ser atacadas no serviço público. O sr. mesmo disse que juízes, deputados não estão neste texto. Devem entrar na reforma juízes, promotores, Congresso? Primeiro, precisamos lembrar que não havia nenhum óbice ao governo para fazer isso [incluir outros Poderes]. O governo se apega a uma formalidade que não existe.
Temos de notar que essa PEC do presidente Bolsonaro é ruim para todos, e ela não deveria ser aprovada.
O que chamo atenção da não presença dessas categorias que a sociedade considera privilegiadas é que o governo, na hora de exemplificar para a sociedade por que precisa de uma reforma, vai usar o juiz que acumulou férias e recebeu uma bolada de meio milhão. Mas ele não diz para a sociedade que a PEC não está tratando disso.
Por que a PEC, na avaliação do sr., atinge os servidores que estão na ponta, aqueles que ganham R$ 2.700? Porque eles é que vão perder estabilidade. Qual a chance de um professor ser carreira típica de Estado? Não tem a menor chance. Qual a chance de a enfermeira ser, ou do médico? Não tem chance.
Aí vamos ver aquele fura-fila do hospital, sabe? Sabe aquela pressão do prefeito para que passe o paciente aliado dele na frente do outro? Então é isso que vamos ver.
Quem trata da reforma administrativa não são especialistas em recursos humanos, são economistas. Ela tem caráter fiscalista. Toda vez que o Brasil tiver de pagar uma conta, e nós estivermos sob este governo, ele vai definir o pagador da conta na figura do servidor e do trabalhador.
É um governo que quer a guerra, quer o desentendimento, não quer o entendimento. Se não for no caos, esse governo não transita. Então ele busca o caos.
O que é aceitável para a frente? A frente entende que é aceitável a gente modernizar a distribuição das carreiras. Precisamos racionalizar a quantidade de carreiras, o tempo para a chegada ao topo da carreira, isso tem de ser discutido.
Precisamos fazer avaliação de desempenho que já está sendo discutida aqui, uma avaliação de desempenho na qual se analise o papel do servidor na prestação de serviço e também analise o papel do ambiente de trabalho, a chefia. Para nós, esses são debates importantes. E isso não está na PEC.