Entenda por que a PEC dos Precatórios traz incertezas fiscais num momento de melhora nas contas públicas

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Mudança no teto de gastos prevista no projeto traz risco de aumento nas despesas obrigatórias de forma permanente, alertam economistas

A aprovação pela Câmara, em primeiro turno, da PEC dos Precatórios, que muda o teto de gastos para garantir um auxílio maior em ano eleitoral, ocorre em meio a uma melhora na arrecadação de impostos e nos resultados fiscais do governo que superaram as previsões do mercado.

Em relatório recente enviado a clientes, o economista-chefe do BTG Pactual Mansueto Almeida, ex-secretário do Tesouro, destacou que o governo tem “conseguido transformar um cenário de recuperação fiscal surpreendente em um cenário de maior risco”.

Analistas destacam que a melhora recente nas contas públicas ocorreu por fatores atípicos, como uma base muito deprimida em 2020 e a alta da inflação. E lembram que, como pontuou Mansueto em seu relatório, o mercado vê na mudança no teto de gastos o risco de um aumento nas despesas obrigatórias de forma permanente. Esse risco eliminaria toda a melhora recente nas contas públicas.

— O que a Receita notifica todo mês é que temos recolhimentos atípicos por diversos motivos, como o aumento das commodities, o valor do câmbio e uma base de arrecadação inflada — avalia Juliana Damasceno, economista sênior da Tendências Consultoria.

E complementa:

— Quando pegamos a arrecadação deflacionada, descontado o IPCA (índice oficial de inflação), parece que está corrigida, mas muitas vezes não está, porque alguns itens subiram muito mais.

Em setembro — último dado disponível — a arrecadação de impostos federais subiu 12,87% e alcançou patamar recorde de R$ 149 bilhões para o mês.

Em seu relatório, Mansueto destaca outro indicador importante de melhora nas contas públicas, o resultado nominal (receitas menos despesas, já considerando o pagamento de juros da dívida) do setor público, que no intervalo de um ano saiu de um déficit de 16,3% do PIB em setembro de 2020 para um déficit de 4,4% do PIB agora, em um ajuste de mais de R$ 600 bilhões.

“O Brasil fez uma melhora muito rápida”, ressalta o economista. E a previsão é terminar o ano com déficit nominal de 6% do PIB, mesmo patamar desde 2019 e bem abaixo dos 14% do ano passado. No mesmo período, os EUA reduziram seu déficit num ritmo muito menor, de 15% para 12% do PIB.

Mansueto alerta, porém, que “a crescente incerteza das ações do governo” aumentou a percepção de risco no mercado. E, se de fato houver um aumento permanente nas despesas públicas com as mudanças no teto de gastos, isso levará a altas de juros, comprometendo o resultado fiscal do governo.

— Com a PEC, mudaram as regras no meio do jogo, e isso gera maior desconfiança dos agentes de mercado, o que já se reflete em um aumento dos juros futuros — aponta Felipe Salto, do Instituto Fiscal Independente (IFI).

A consequência, segundo Salto, é uma despesa maior com os juros da dívida pública. Em setembro, segundo cálculos do IFI, o governo pagou R$ 55 bilhões em juros, 36% a mais do que no mesmo mês do ano passado.

Para Salto, a PEC é “um equívoco”, considerando que a ampliação do Bolsa Família poderia ser feita sem interferir com o teto de gastos, se o governo estivesse disposto a cortar emendas parlamentares e outras despesas discricionárias, isto é, não obrigatórias.

— O que o mercado está precificando é essa lambança fiscal, é a mudança da regra do teto enquanto o jogo está rolando — resume Margarida Gutierrez, da Coppead/UFRJ.

Fonte: O Globo

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