Em live, Ofice apresenta propostas para o equilíbrio das finanças do Ceará no pós-pandemia

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Na tarde desta quinta-feira (23), o diretor de Organização do Sintaf, Lúcio Maia, que é também pesquisador sênior e coordenador do Observatório de Finanças Públicas do Ceará (Ofice), foi o convidado da live #ObservatóriosEmRede Ao Vivo!, promovida pelo Observatório de Fortaleza. O objetivo foi debater “Propostas concretas para o equilíbrio das finanças públicas no Ceará no contexto pós-pandemia”, tema correlato ao último estudo publicado pelo Ofice, “Alternativas para aumentar a arrecadação de estados e municípios”.

A live foi apresentada por Cláudia Leitão, diretora do Observatório de Fortaleza, que no início destacou o esforço da instituição para construir uma rede de observatórios no Ceará. “Estamos criando uma plataforma para o compartilhamento dos trabalhos. Antes da pandemia, já havíamos nos reunido com os pesquisadores do Ofice”, afirmou.

Observatório de Finanças preenche lacuna

Ainda em sua fala inicial, Cláudia Leitão ressaltou que no decorrer da pandemia do novo coronavírus, a ausência de uma liderança central impactou negativamente estados e municípios. “Cada estado acabou tomando as decisões de acordo com suas convicções. Essa desarmonia entre União, estados e municípios complicou a vida do país”, enfatizou. A diretora lembrou ainda da propagação de notícias falsas. “Por isso é tão importante termos uma rede de observatórios que nos dê acesso a dados confiáveis”.

Cláudia Leitão fez ainda uma breve apresentação do Observatório de Finanças Públicas do Ceará (Ofice), centro de estudos e pesquisas criado em 2015 pela Fundação Sintaf. O Ofice discute a gestão fiscal nas três esferas de governo, com foco no Ceará, fazendo a análise das políticas públicas, avaliando tendências e propondo caminhos. “Os recursos precisam ser muito bem utilizados e os governos locais têm poucos analistas voltados ao estudo de seus dados. O Ofice tem um papel sofisticado e supre essa lacuna que existia na análise dos gastos e investimentos públicos”, apontou.

Perda de arrecadação: o que fazer?

Com a pandemia, o país inteiro está sofrendo com a perda arrecadação. Diante desse quadro, a diretora do Observatório de Fortaleza indagou: o que deve acontecer nos próximos meses em relação às receitas e despesas estaduais? Como o Ceará vai honrar suas políticas e seus programas?

Na opinião de Lúcio Maia, o governo federal deveria revogar a Emenda Constitucional 95, que criou um teto para os gastos públicos da União pelos próximos 20 anos. “Os investimentos públicos estão cada vez mais escassos. Por outro lado, o governo está priorizando o pagamento do serviço da dívida pública (juros, amortização e refinanciamento). Só no primeiro quadrimestre deste ano, foram gastos R$ 585 bilhões com a dívida pública. O gasto total foi de R$ 1,8 trilhão. Somente com o serviço da dívida, o governo federal gastou 31% de seu orçamento. É uma política que beneficia somente o sistema financeiro”, criticou o pesquisador sênior do Ofice.

Para ele, o valor destinado pela Lei Complementar 173/2020 para auxílio a estados, Distrito Federal e municípios, de apenas R$ 60 bilhões, ficou muito aquém das necessidades para o combate efetivo da pandemia do coronavírus. “O Ceará recebeu apenas R$ 919 milhões”, afirmou.

Na revista Panorama Fiscal nº 31, o Ofice publicou estudo onde sugere a elaboração, pela União, de um orçamento extraordinário no valor de R$ 1,5 trilhão para o enfrentamento da pandemia. Este orçamento é previsto no Art. 21, XVIII da Constituição Federal, sendo permitido em caso de calamidade pública.

Alternativas para o aumento da arrecadação pós-pandemia

O mais recente estudo do Ofice, “Alternativas para aumentar a arrecadação de estados e municípios”, subsidiou o debate. Lúcio Maia destacou que o trabalho, publicado na 34ª edição da revista Panorama Fiscal, elenca quatro itens específicos para alavancar as receitas do Estado.

Primeiro, faz-se necessária a alteração da Lei Kandir, criada em 1996, que garante a desoneração fiscal das exportações de produtos primários e semi-elaborados. “Propomos o retorno da tributação para essas operações. A depender da alíquota, os ganhos são significativos. Em 2019, caso essa medida estivesse em vigor, o Ceará teria arrecadado a mais de ICMS, em média, R$ 411 milhões”, afirmou Lúcio Maia.

A segunda iniciativa seria a alteração do Pacto Federativo, com a criação de um Fundo de Participação Social (FPS), que prevê a repartição de receitas das contribuições sociais: PIS, COFINS E CSLL, nos mesmos moldes do Fundo de Participação de Estados (FPE) e Fundo de Participação dos Municípios (FPM). “Dessa forma, as receitas seriam mais bem distribuídas entre os entes federados, e não ficariam tão concentrados na União. O ganho para o Ceará, em 2019, teria sido de R$ 6,6 bilhões”, garantiu.

Outra alternativa apresentada no estudo do Ofice é a revogação do benefício fiscal chamado de Juros Sobre Capital Próprio (JSCP). As empresas que optam por esse benefício obtêm a redução de 50% da base de cálculo sobre o Imposto de Renda, diminuindo a receita da União e, consequentemente, dos estados e municípios, já que o Imposto de Renda faz parte da transferência de recursos da União para os estados (FPE) e para municípios (FPM). “Nesse caso, o Estado do Ceará teria recebido a mais do FPE, somente em 2019, o montante de R$ 1,5 bilhão”, explicou o pesquisador.

O Ofice também propõe a revisão das margens de lucro fiscal das empresas, conforme previsto na Lei 14.237/2008, que dispõe sobre o regime de cobrança por substituição tributária do Imposto sobre Operações Relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação (ICMS), por carga líquida. É necessário fazer a devida equivalência do lucro fiscal ao lucro contábil anualmente. Os resultados do estudo demonstraram que o estado do Ceará deixou de arrecadar em 2016, 2017 e 2018, os valores de R$ 1,6 bilhão, R$ 1,4 bilhão e R4 2,4 bilhões, respectivamente.

Em junho, a queda real do ICMS foi de 16,23%. No acumulado do semestre, a redução foi de 12,70%. “Há como reverter isso. Podemos arrecadar mais. Em nossa opinião, o Estado está arrecadando aquém do que deveria”, apontou Lúcio.

Por uma reforma tributária justa

O pesquisador defendeu ainda uma reforma tributária justa, que destine mais recursos para estados e municípios. Ele criticou o sistema tributário brasileiro, que segue na contramão dos países desenvolvidos. “Estes países tributam mais patrimônio e renda, e menos consumo e serviços. Nosso sistema de tributos, ao contrário, é regressivo”, sublinhou.

Lúcio Maia destacou ainda o papel do Estado na redução das desigualdades. “Espero que a pandemia tenha alertado a sociedade para o perigo do Estado Mínimo. Não adianta ter R$ 1 bilhão no banco e não poder sair de casa para gastar. Vivemos em sociedade; é necessário combater a desigualdade para que as pessoas tenham condições dignas de viver. No nosso país, não há dinheiro paras as políticas sociais, mas há de sobra para o capital financeiro especulativo”, afirmou. Para Lúcio, se não fosse a atuação dos governos estaduais no combate à pandemia, com o reforço na saúde pública, as mortes seriam muito maiores. “O sistema de saúde pública está salvando muitas vidas”.

Valorização dos observatórios

Diante do avanço das políticas neoliberais no país, Cláudia Leitão também criticou o compromisso do governo central com o sistema financeiro, em detrimento das pessoas em seus territórios, “pessoas que já não têm acesso a habitação digna, água potável, saneamento”. Para a diretora, é grave o quadro da desigualdade no Brasil. “Nesse momento de pandemia, os pequenos e informais sofrem ainda mais, sem apoio”.

Ao final, Cláudia Leitão elogiou a visão sensível e cidadã do Ofice, que analisa e revela as injustiças do nosso sistema tributário à população, sistema este que só perpetua as desigualdades. “É importante ratificar o papel do Observatório de Finanças Públicas do Ceará, destacar sua importância e desejar-lhe longa vida, pois ele é essencial na leitura diuturna dos principais números que denunciam os desequilíbrios sociais”, ratificou. Para a diretora do Observatório de Fortaleza, é essencial continuar a luta pelo reconhecimento dos observatórios e pela valorização da pesquisa em nosso país.

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