Estados entendem que cobrança pode começar já neste ano
Estados e advogados tributaristas divergem a respeito da possibilidade de a cobrança do diferencial de alíquota (Difal) de ICMS começar a valer já em 2022. Isso pode levar a uma corrida de contribuintes ao Judiciário para questionar a exigência do valor ao longo de todo o ano. Esse diferencial vale para operações envolvendo mercadoria destinada a consumidor final em outro estado não contribuinte do imposto.
Após aprovação no Congresso do PLP 32/2021, que regulamenta a cobrança, expectativa era de sanção da lei que prevê o diferencial até 31 de dezembro de 2021. Assim, não restariam dúvidas sobre os efeitos já em 2022. Até agora, no entanto, a lei não foi publicada no Diário Oficial. O prazo limite de sanção é 7 de janeiro, de acordo com a página do PLP 32/2021, projeto que regulamenta o Difal de ICMS.
Tributaristas ouvidos pelo JOTA afirmam que esse prazo é para a promulgação da lei e não interfere na necessidade de observância dos princípios constitucionais das anterioridades nonagesimal e anual. Representantes dos estados, porém, defendem a possibilidade de cobrança já em 2022.
Instituição ou majoração de tributo
O diretor institucional do Comitê Nacional dos Secretários de Estado da Fazenda (Comsefaz), André Horta, argumenta que as anterioridades nonagesimal e anual devem ser observadas quando há criação ou aumento de tributo. A seu ver, a nova lei não institui ou majora um tributo, uma vez que a cobrança do Difal de ICMS era regulamentada pelo Convênio ICMS 93/2015.
“Sempre que a lei institui ou aumenta tributo, devem ser observados esses prazos [da anualidade e noventena]. Mas não estamos fazendo isso. Não estamos criando ou elevando tributo. Estamos mantendo a cobrança que já era regulada pelo convênio e que, agora, foi regulamentada pela lei complementar”, diz Horta.
Posição semelhante é defendida pela Secretária de Fazenda do Ceará, Fernanda Pacobahyba. “Quando se fala no princípio da anterioridade geral, o artigo 150 da Constituição fala que [o princípio se aplica] na instituição ou no aumento de tributos, e o Difal é simplesmente uma repartição da carga tributária. Fica um pedaço na origem e um pedaço no estado de destino”.
Nessa modalidade de cobrança, a exemplo do que ocorre no comércio eletrônico, o fornecedor do bem ou serviço é responsável por recolher todo o imposto e repassar ao estado do consumidor final o Difal de ICMS – isto é, a diferença entre a alíquota interna do estado de origem e a alíquota interestadual.
A aprovação da lei complementar busca atender a determinação do Supremo Tribunal Federal (STF) no julgamento da ADI 5469. Em 24 de fevereiro de 2021, os ministros declararam inconstitucionais cláusulas do Convênio ICMS 93/2015 e definiram que, a partir de 1º de janeiro de 2022, o tema deveria estar regulamentado por meio de lei complementar.
Previsibilidade ao contribuinte
Ao defender a necessidade de observância dos princípios da anualidade e noventena, tributaristas destacam que o texto aprovado pelo Congresso Nacional, em seu artigo 3º, faz referência expressa ao artigo 150, inciso III, alínea c, da Constituição. Esse dispositivo constitucional prevê o respeito à anterioridade nonagesimal e também afirma que deve ser observado o disposto na alínea b. Esta, por sua vez, trata da anterioridade anual.
“Embora a lei complementar não crie ou eleve tributo, foi uma escolha do legislador inserir esse dispositivo, numa opção política que privilegia a segurança e a previsibilidade do contribuinte. A noventena e a anterioridade tributária são aplicadas aqui por uma decisão soberana do legislador”, afirma o tributarista Igor Mauler Santiago, do escritório Mauler Advogados.
Para o tributarista Gustavo Taparelli, sócio do Abe Giovanini Advogados, mesmo que a lei não fizesse referência expressa ao dispositivo constitucional, a anterioridade deveria ser respeitada.
“Como o STF julgou o convênio inconstitucional, a lei, na prática, institui sim uma nova tributação. Além disso, mesmo que isso possa ser questionado, a discussão se tornou inócua, porque a própria lei traz essa previsão”, afirma o advogado.
Para ele, nestes primeiros dias do ano, até a publicação da lei, não há sequer o que se questionar: não existe lei complementar e o Difal de ICMS não pode ser cobrado. “Não tem como cobrar. Não existe lei. Se não tem lei, não tem o que discutir”, diz Taparelli.
Luiz Henrique Renattini, tributarista do LIRA Advogados, afirma que, tanto para a doutrina quanto para a jurisprudência, o ICMS representa vários impostos dentro de um só. Ele explica que há um ICMS sobre mercadorias, outro sobre transportes e outro sobre combustíveis, por exemplo.
“Assim, eu tenho um ICMS sobre cada materialidade. Além disso, se o STF diz que o Difal de ICMS é uma nova cobrança, temos um novo tributo, e a noventena e a anualidade precisam ser respeitadas”, afirma Renattini.
Fonte: JOTA