Brasil retoma crescimento de forma desigual

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Exaltada pelo governo Jair Bolsonaro (PL), a recuperação do crescimento econômico tem sido acompanhada de uma expansão na parcela da população em situação de extrema pobreza, uma combinação perversa que indica concentração de renda no Brasil. O problema foi agravado pela pandemia de Covid-19, mas já era observado desde 2016, na esteira da crise econômica e política que abateu o país.

Entre 2016 e 2021, houve uma alta de média de 1% ao ano no PIB (Produto Interno Bruto), indicador que retrata toda a riqueza gerada no país em determinado período. Já a fatia da população na extrema pobreza cresceu 0,2 ponto percentual ao ano, segundo dados reunidos pela economista Laura Muller Machado, ex-secretária de Desenvolvimento Social do Governo de São Paulo e especialista na área. “Estamos cuidando do crescimento do PIB, mas não tanto de reduzir a pobreza. O PIB está crescendo, mas está sendo distribuído de uma maneira mais desigual do que antes da pandemia”, diz.

Uma das possíveis razões para essa conjunção de resultados, segundo ela, é a piora na focalização dos benefícios sociais. A despeito da ampliação dos valores pagos e dos esforços para reduzir as filas de quem ainda não recebe, os programas estão alcançando pessoas que não estariam entre as prioridades mais imediatas.
Um sinal que poderia corroborar essa hipótese é a constatação de que hoje, no Brasil, 33 milhões de pessoas passam fome, ao mesmo tempo em que o Auxílio Brasil -principal programa de transferência de renda e sucessor do Bolsa Família- contempla 21,1 milhões de famílias e 54,8 milhões de pessoas, um recorde.

Outro indício é a evolução da renda per capita no Brasil. Enquanto os 10% mais ricos tiveram uma queda anual média de 1,16% entre 2014 e 2021, o tombo foi de 7,59% ao ano entre os 10% mais pobres no mesmo período.
Entre 2004 e 2014, o PIB também cresceu, mas a extrema pobreza experimentou uma década de sucessivas reduções. Nesse período, o crescimento anual da renda per capita foi maior entre os mais vulneráveis (7,74%), enquanto o topo da pirâmide social teve um avanço mais tímido (3,49%), abaixo até mesmo da média nacional. “A gente nunca gastou tanto com transferência de renda. Gastava R$ 30 bilhões por ano, com a pandemia gastamos dez vezes isso e a pobreza piorou. A gente não focalizou, foi um gasto desordenado”, diz Machado.

“A gente organizou direitinho a fila para receber a vacina, primeiro idosos, profissionais de saúde, depois vacinando todo mundo até chegar hoje às crianças. Deveria ser igual na política contra extrema pobreza, ter uma ordenação efetiva, centralizada nos que mais precisam”, afirma. A economista Luiza Nassif, diretora do Made/USP (Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo), avalia que a recuperação recente do crescimento brasileiro, além de pequena, é desigual.

“Quando você olha para o rendimento médio do trabalho, não há uma recuperação geral. Ele não voltou ao nível pré-pandêmico, nem no agregado, muito menos para certos grupos, como mulheres negras”, diz. “A recuperação vem mais rápido para quem já estava no topo da pirâmide.” Ela destaca que a metade mais pobre da população concentra 9,8% da renda no país, enquanto os 10% mais ricos respondem por uma fatia de 59,8%, segundo dados de 2019 do World Inequality Database.

Uma forma de corrigir isso, segundo Nassif, é tributar os lucros e dividendos distribuídos para pessoas físicas. Hoje, esses rendimentos são isentos de IRPF (Imposto de Renda da Pessoa Física), beneficiando investidores e a chamada “pejotização”, quando trabalhadores atuam como se fossem empresas, prestando serviços para outras companhias.
Enquanto isso, os rendimentos de quem tem carteira assinada são tributados com uma alíquota de até 27,5%. “Colocar o rico no Imposto de Renda é extremamente importante”, diz Nassif. “Reduzir a desigualdade em si já gera crescimento, quem está na base da pirâmide consome mais. Então tem dois pontos, um de justiça social e outro de melhora da economia”, acrescenta.

Montanha-russa de renda

Em 2020, o governo Bolsonaro criou o auxílio emergencial para socorrer famílias vulneráveis em meio aos impactos econômicos severos da Covid-19. O benefício chegou a contemplar 67 milhões de brasileiros nas primeiras rodadas.
Para além dos casos de recebimento indevido, o programa também sofreu uma série de interrupções. Em janeiro de 2021, as famílias caíram no limbo, sem ajuda do governo, e ficaram nessa situação até a renovação do benefício em abril daquele ano.

Os valores também oscilaram. O auxílio emergencial primeiro foi de R$ 600 por pessoa, depois R$ 300, depois de R$ 150 a R$ 375. Com a transformação do Bolsa Família em Auxílio Brasil, o valor mínimo passou a R$ 400 por família.
Neste ano, a fila de espera do benefício cresceu e beirou os 2 milhões. Bolsonaro manobrou e obteve apoio do Congresso Nacional para aprovar uma PEC (proposta de emenda à Constituição) que autoriza a turbinar gastos sociais em ano eleitoral. Com isso, o piso do programa chegou novamente aos R$ 600.
O formato do Auxílio Brasil também é criticado. Ao estabelecer um valor mínimo por família, o governo ignora o fato de que lares com maior número de integrantes podem ter necessidades mais amplas. Na configuração atual do programa, um casal com dois filhos menores acaba recebendo um benefício per capita menor que um casal sem filhos.

Fonte: O Estado CE

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