Artigo: “Reflexões ecológicas da Fundação Sintaf”, por Liduíno de Brito

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“Mais que alfabetizando ecologicamente, catequizando, como se uma religião e uma moral ecológicas, sustentadas nas ciências, que preencham o vazio da alma de meros consumidores autômatos, manipulados por interesses ideológicos de segmentos econômicos privilegiados”, aponta em artigo o presidente da Fundação Sintaf, Liduíno Lopes Brito

A Fundação Sintaf promove, em conjunto com a Secretaria da Fazenda do Ceará (Sefaz), seminário na Semana do Meio Ambiente, de 5 a 7 de junho, com participação de gestores públicos, secretários estaduais da Fazenda e do Meio Ambiente, alunos da referenciada Escola Estadual Adauto Bezerra, gente da comunidade do Poço da Draga e público interessado. A pergunta central do evento gira em torno da compreensão e discussão do que seja cidadania ecológica profunda e reflexiva, perante uma crise ecológica mundial que já beira o limite do incontornável.

Crise, em sua acepção original, significa ‘julgamento’, ‘decisão final sobre um processo’, ‘conclusão de um acontecer em um sentido ou outro’. No que tange à questão socioambiental planetária é consabido que vivemo-la, difusamente, sem mais segredos. Todavia, por ser decisão, tanto pode ser o fim de um velho modelo, valorativamente, incrustado na moral coletiva empedernida, como pode ser o início de um novo modelo, também valorativamente, a ser desenvolvido pela consciência ética de uma cidadania nova, ativa e autônoma. Oportunidades e possibilidades revolucionárias emergem nas crises profundas e difusas, principalmente quando sinalizam mudança de eras, a exigir um crítico discernimento de percepções e visões de mundo, velhos e novos paradigmas científicos e sociais que acompanham eras em transição.

A humanidade viveu quatrocentos anos sob a égide de paradigmas científicos da física mecânica newtoniana, mecanicista, de racionalidade cartesiana, reducionista, de causa e efeito, linear. A partir da segunda metade do século XX, consolidaram-se novos paradigmas científicos, escorados na mecânica quântica, nas ciências da vida, no pensamento complexo do todo que é a teia da vida, funcionando em rede de nós interdependentes. A transição de milênios, que vivemos, converge para a transição da era antropocêntrica à era ecocêntrica, a despeito de uma resistência político-econômica e acadêmica aquartelada por seus interesses particulares. Todavia, verdade solar, invade todos os quintais, inapelavelmente.

A cidadania plena do ser humano, do Estado social, já migrou para o nível de cidadania ecológica de todos os sistemas vivos, protegidos, principiologicamente, pelo Estado socioambiental, ecológico. O ser humano, recolhe-se ao que sempre foi, fragmento da natureza, entre outros seres vivos, dependente da sustentabilidade da rede ecossistêmica planetária. Apenas pode adquirir consciência ética e política deste fenômeno científico. Até mesmo o conceito de natureza emergiu da vida social objetiva, epistemologicamente situada, preso nas malhas do tempo histórico-cultural e do espaço físico-social. O conceito de natureza não foi natural, e sim cultural, invenção do ser humano dominante. Por isto mesmo, a natureza, como todas as minorias, sem direitos de cidadania, incluindo as mulheres, foram decepadas naquilo que excediam à medida da ”cama de procusto” masculina. Esta foi a régua praticada e aceita por dois mil anos de antropocentrismo, vinculado na proeminência do homem e aceita como justa medida. Neste modelo androcêntrico, a mulher também foi concebida como natureza passiva, a ser torturada até entregar todos os seus segredos. Como este modelo continua hegemônico, o conceito de natureza não pode contrariar a sua ideologia dissimulada.

Ocorre que, finalmente, pela primeira vez, de forma acentuada por uma crise ecológica, planetária sem precedentes, o conceito cultural de natureza deve se fundir com o conceito natural. Os direitos sociais da cidadania ecológica, também são direitos naturais, comuns a todo sistema vivo e ao substrato ambiental, necessário para vida em sustentabilidade viável às gerações vindouras. Os nascituros também são sujeitos de direitos. Se os seres humanos, na era ecológica que se inaugura, não possuem mais direitos que os outros viventes, por serem embrionariamente iguais, a luta desigual, hierárquica, de seres humanos entre si, torna-se absurdamente antiecológica. Desigualdade inventada no antropocentrismo por egoísmo e interesses de grupos privilegiados.

Neste sentido não haverá paz ecológica, pois não haverá paz social, nem futuro para os nascituros, se uma outra lógica, de inteligência primária, solar, não começar agora a ser construída, atrasadamente, na cabeça das crianças em idade escolar, através de uma disciplina de Ecopedagogia. Mais que alfabetizando ecologicamente, catequizando, como se uma religião e uma moral ecológicas, sustentadas nas ciências, que preencham o vazio da alma de meros consumidores autômatos, manipulados por interesses ideológicos de segmentos econômicos privilegiados. A questão ecológica, então, pelo que se mostra, é questão política. Inescapavelmente!

Cidadania ecológica, passiva ou ativa, consciente ou não, é uma verdade científica hoje. Não é mais utopia, ou uma vontade político-ideológica. É verdade contida no núcleo dos paradigmas epistemológicos emersos das ciências da vida (H. Maturana, F.Varela) e das ciências da Natureza (Prigogine, Lovelock, Bohr, Bateson, Kuhn, Capra e outros). E como toda verdade incômoda, mesmo científica, pior ainda por ser de caráter ecocêntrico, deve ser silenciada, ocultada, desacreditada pelo poder político-ideológico das elites globais, economicamente hegemônicas.

Pelo exposto, a Fundação Sintaf de Ensino e Pesquisa, na Semana do Meio Ambiente, pretende aprofundar reflexões ecológicas provocando a sociedade política e a sociedade civil.

Liduíno Lopes Brito é presidente da Fundação Sintaf

Fonte: O Povo

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