Artigo: Fim da estabilidade abre espaço a Guardiões do Crivella, por Charles Alcântara

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O GLOBO – OPINIÃO

Reforma administrativa facilita aparelhamento do serviço público.

O Brasil conheceu nos últimos dias mais uma leva de personagens caricatos que promovem ofensas a jornalistas e veículos de imprensa. A denúncia relativa aos Guardiões do Crivella mostra uma face nefasta de governantes que querem esconder dos cidadãos as mazelas resultantes da incompetência em sanar problemas recorrentes.

Colocar funcionários comissionados na porta dos hospitais municipais do Rio de Janeiro para ofender jornalistas e entrevistados em reportagens denunciando as condições da estrutura da saúde no município faz acender um alerta sobre a importância do servidor público no Brasil.

Todas as pessoas expostas pelas reportagens têm um ponto em comum: são servidores públicos sem estabilidade, ou seja, ocupam cargos comissionados. Estão submissos aos anseios de políticos no comando da máquina pública e reféns do compadrio e clientelismo. A estabilidade do funcionalismo, tão questionada ultimamente, serve para evitar que episódios como os reportados ocorram, além de resguardar a máquina pública de desejos obscuros e gananciosos dos mandatários.

O escândalo dos Guardiões do Crivella é um caso evidente do risco que corremos em ter servidores melindrados e trabalhando com pouca estrutura. A reforma administrativa proposta pelo governo federal acaba com o Regime Jurídico Único, via flexibilização das formas de contratação e demissão, revigorando o velho apadrinhamento e patrimonialismo que, por muito tempo, predominaram na Administração Pública.

Uma avenida aberta para o aparelhamento político-partidário do serviço público. A reforma administrativa do presidente Jair Bolsonaro presta homenagem ao seu aliado que governa a cidade do Rio de Janeiro, institucionalizando e generalizando os Guardiões do Crivella por todo o país. Sai de cena o servidor público para dar lugar ao “guardião do Bolsonaro”, “guardião do governador A”, “guardião do prefeito B”…

A produtividade brasileira é cronicamente baixa, fenômeno que se observa tanto no serviço público quanto na inciativa privada. Existe um estigma sobre a ineficiência do serviço público, que nem sempre condiz com a realidade. É preciso melhorar o investimento na estrutura da máquina pública, convergindo para a ampliação da cobertura e qualificação dos serviços prestados pelo Estado.

Precisamos de políticas públicas que impulsionem o crescimento econômico, que aumentem a empregabilidade e que reduzam a abissal desigualdade no Brasil. Os servidores públicos não são inimputáveis, assim como os trabalhadores da iniciativa privada, e podem perder o cargo caso cometam crimes contra a Administração Pública, parem de ir ao trabalho, tenham faltas excessivas, vazem informações, utilizem o cargo para obter benefícios pessoais, entre outras condutas.

O serviço público é uma função valorosa, de honra, retorno à pátria e que almeja o bem-estar do brasileiro. Temos na iniciativa privada profissionais que atuam numa determinada empresa porque enxergam nela seus valores; outros, simplesmente porque ela lhes proporciona um bom salário no fim do mês. Portanto, a retirada de direitos não traz qualquer garantia de que teremos funcionários públicos mais engajados ou comprometidos.

Acabar com a estabilidade do funcionalismo não é a solução mágica para a retomada econômica de um país que super tributa pobres e alivia os altos ganhos das elites. O fim da estabilidade no serviço público é um enorme portal para mais escândalos de corrupção, compadrio, coronelismo, clientelismo e ineficiência do serviço público, tão precarizado e sem infraestrutura adequada ao desenvolvimento das atividades. O país não deve apoiar um modelo que pode franquear a conduta de Guardiões de Crivella Brasil afora.

Charles Alcantara é presidente da Federação Nacional do Fisco

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