Artigo | “Ana Triste” por Luiz Carlos Diógenes

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▪ Por Luiz Carlos Diógenes, Diretor de Cidadania, Inclusão Social e Cultura da Fundação Sintaf.

O insuspeito Chico Buarque, ao pressagiar que “por trás de um homem triste há sempre uma mulher feliz”, avançou para uma indevassável esfera de profundidade psicológica, a permear uma relação conjugal. A vontade própria da mulher de “sambar em paz”, negada, nos versos do poeta, continua impedida pelo mandonismo hegemônico do patriarcado. Houve tempo, todavia, no sertão do Ceará, de mulheres sambarem, desassombradamente, em importância e exemplo para a igualdade de gênero, ainda perseguida.

A Insurreição independentista de 1817 a 1824, em terras “alencarinas”, reúne traços de uma revolução complexa, salpicada de ativismo feminista. Pegadas de mulheres, à frente da luta contra o jugo opressor de matriz político-cultural, ainda permanecem na arena da história, como imagem simbólica de feminismo libertário. Bárbara de Alencar e sua nora Ana Porcina são exemplos perigosos ao patriarcado reacionário, ao padrão moral e cultural, resiliente, afeito à mudança de seis por meia dúzia.

Se Bárbara ainda é falada, talvez por força de seus filhos e neto, homens brancos e ricos, ainda estudados e citados retoricamente, Ana Porcina, que se tornou “Ana Triste”, após a morte do marido Presidente do Ceará Confederado, Tristão de Araripe, nem mesmo é lembrada. A pesada pedra do tempo lacrou seu túmulo para a história. Todavia, como o passado nunca está totalmente morto e enterrado, o Bicentenário da Confederação do Equador revolve-o.

Tristão e Ana, casados em 1810, com 21 anos de idade, tiveram sete filhos, o último parindo quatro meses após o trucidamento do pai, em 1824. Entre uma parição e outra, Ana varou o sertão cearense, como articuladora e mensageira da revolução patriótica. Até mesmo nas prisões de 1817 a 1820, de Fortaleza a Salvador, Ana, acalentava no marido o sonho utópico que não acabara.

Na história do Ceará profundo insurgente, há 200 anos idos, caberia levantar a suspeita de que por trás do maior vulto da Confederação do Equador, Tristão de Alencar Araripe, houve o aconselhamento, a parceria e o ativismo ético-político, permanente, da companheira de todas as horas, “Ana Triste”.

Fonte: O Povo.

https://mais.opovo.com.br/jornal/opiniao/2024/11/27/luiz-carlos-diogenes-ana-triste.html

 

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