Artigo | Administração tributária com rigor científico

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Nestes tempos de reforma administrativa, a pertinência da definição de carreiras típicas na Constituição Federal é uma discussão palpitante. Para justificar alguns posicionamentos foi usado o exemplo dos auditores fiscais. Foi dito que, em alguns anos, toda a fiscalização tributária poderia ser feita por um sistema informatizado e que os auditores fiscais seriam desnecessários para a administração pública.

Tentar ficar equidistante de posições ideológicas, de um lado, e corporativas, de outro, é fundamental para trazer essa discussão para o campo da racionalidade.

Começando pela teoria geral do direito. Na evolução do Estado e suas instituições é nítida a importância dos mecanismos que garantem a ausência de interferência política em certas atividades. Tais atividades, sob o ponto de vista da segurança social e política, significam e afirmam a existência do próprio Estado.

Entretanto, passou da hora de lançar luzes científicas para a atividade da administração tributária. Nesse sentido, é importante trazer alguns fatos verificáveis que decorrem de estudos realizados entre 2003 e 2021, contidos em 105 publicações da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), órgão internacional composto por 37 países, o chamado “clube dos ricos”, que trabalham juntos para compartilhar experiências e buscar soluções para questões comuns, principalmente na área econômica, incluindo aí as administrações tributárias.

Em 58 administrações tributárias analisadas pela OCDE, que no conjunto atendem 810 milhões de contribuintes e arrecadam aproximadamente R$ 67 trilhões, 96,4% têm alto grau de autonomia. Isso quer dizer que definem seus próprios padrões de performance (98,2%) e sua estrutura organizacional, inclusive o ingresso concursado em seus quadros (86,2%), e têm e executam o próprio orçamento operacional (74,1%) e o orçamento de investimentos (67,2%).

Outro fato verificável e importante são os poderes conferidos às administrações tributárias analisadas: 98% formulam planos de pagamento e parcelamentos; 97% realizam compensações tributárias; 85% podem, sob condições legais, estender prazos de pagamento; e 82% podem remitir penalizações e juros.

Em contraponto, o contencioso tributário nesses países não passa de 1%. No Brasil, cujas administrações tributárias não têm essa autonomia e esses poderes, a dívida ativa tributária das três esferas de governo pode já ter alcançado os inacreditáveis 73% do PIB, segundo estudos de 2018 do Núcleo de Tributação do Insper. Sem dúvida, o pior indicador econômico que assola a tão combalida imagem internacional do Brasil.

Analisado isoladamente, esse indicador do contencioso tributário ressalta óbvio que falta muito para que as administrações tributárias possam proteger os contribuintes que efetivamente estão pagando os impostos. Protegê-los significa que as administrações tributárias precisam de autonomia e aumento de poderes para conseguirem atingir os contribuintes que declaram e não pagam e sobre as situações que levam à volumosa contestação da imposição do tributo e sua cobrança.

O fisco precisa, inclusive, de instrumentos que permitam agir fortemente antes da formação da dívida tributária. Aliás, está claro que ter os poderes e instrumentos que permitem apenas a atuação sobre os que sonegam, de forma isolada dos demais poderes que os países da OCDE concedem às suas administrações tributárias, não têm surtido o efeito que o Brasil deseja.

É inarredável que a solução desse grande problema brasileiro passa por um debate, sem ideologia e subjetivismos, e por um investimento consistente nas atividades das administrações tributárias. Nele devem estar envolvidos os Parlamentos, os governos, as entidades empresariais e os próprios agentes do fisco.

O país precisa caminhar para a reestruturação das suas administrações tributárias com base em conhecimentos científicos, que amparam os resultados dos países que melhor promovem a justiça fiscal no ambiente de negócios. Essa reflexão pode lançar luzes sobre a tão propalada necessidade de se fazer uma ampla reforma do sistema tributário.

Neste momento, parece muito mais produtivo e exequível se fazer uma reforma da administração tributária. Quem ganhará com esse debate é um país inteiro.

Fonte: Folha de S.Paulo

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