Aposta em desoneração para aumentar receitas é questionada por analistas

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A aposta de que a desoneração de empresas vai estimular a arrecadação, formulada pelo relator da reforma tributária, deputado Celso Sabino (PSDB-PA), em parceria com o ministro Paulo Guedes (Economia), se baseia em uma teoria questionada por analistas dentro e fora do Brasil. Na terça (13), quando apresentou seu substitutivo preliminar para a reforma do Imposto de Renda, Sabino não só propôs um corte drástico na taxação de lucros e rendimentos de empresas a um custo anual de R$ 30 bilhões nas contas públicas, como também usou os verbos “apostar” e “acreditar” para comentar o aumento de arrecadação.

(Foto: Reprodução / Internet)

“Todos nós, Câmara, governo, cidadãos e empreendedores, estamos apostando no Brasil. A gente acredita que essa medida, além de fomentar a economia, dá mais força para o pulsar das empresas e vai trazer mais arrecadação”, afirmou Sabino após ser questionado sobre o rombo, que equivale a quase um Bolsa Família por ano -o governo Bolsonaro, inclusive, ainda busca formas de financiar sua agenda social.

Heather Boushey, co-fundadora do Washington Center for Equitable Growth e integrante do conselho de consultores econômicos do presidente americano, Joe Biden, afirma que a ideia de redução de impostos para incremento de receita não tem respaldo científico. “Se a noção de que o corte de impostos aumenta a receita parece ir contra a intuição, há uma boa razão: ela não é apoiada por pesquisas”, diz em artigo.

Analistas ouvidos pela reportagem comparam a premissa de Sabino com a teoria do economista americano Arthur Laffer, que trabalhou para o presidente Ronald Reagan nos anos 1980 -e, alguns anos antes, foi professor na Universidade de Chicago (onde Guedes estudou). Laffer defendia que os cortes de impostos gerariam tanto investimento e crescimento econômico a ponto de compensar seu custo. Porém, após Reagan cortar impostos, a receita tributária despencou.

Durante a presidência de Reagan, a dívida pública federal quase triplicou, fazendo os EUA passarem de maior credor para o maior devedor do mundo. Boushey reúne outros exemplos para criticar a teoria de Laffer e defender que políticas sejam feitas com base “em evidências, não mágica”.

Outro exemplo citado por ela é o do governo de Bill Clinton (de 1993 a 2001), que viu a arrecadação disparar após um aumento de impostos e um crescimento da economia que fizeram o país voltar ao azul após mais de duas décadas. “Aumentos de impostos, e não cortes, aumentam as receitas”, afirma. Bráulio Borges, pesquisador-associado do FGV Ibre, afirma que, ainda que Laffer estivesse certo, os resultados imediatos seriam arriscados para um país como o Brasil.

“A situação fiscal brasileira não comporta essa perda imediata com ganho ao longo de vários anos. Risco-país e juros sobem, o câmbio deprecia mais, acaba atrapalhando a inflação, tem uma série de efeitos de equilíbrio geral que parecem estar sendo ignorados nesse tipo de proposta.” Simão Silber, professor de economia da USP (Universidade de São Paulo), afirma que não há como assegurar que o corte na arrecadação vá se transformar em mais atividade.
“Não tem nenhuma garantia de que, ao não pagar imposto, o empresário vai sair correndo para investir”, afirma ele, que considera a proposta fruto da forte pressão dos empresários.

As compensações previstas para a redução de impostos -em especial, o corte de subsídios- ainda precisam vencer lobbies empresariais no Congresso. Mesmo assim, deixaria um buraco de quase R$ 30 bilhões na arrecadação anual de estados e municípios (que recebem parte das receitas federais). Para Guedes, os R$ 30 bilhões de impacto anual da reforma a partir de 2022 não preocupam “muito agora”. A lógica usada pelo ministro é que a arrecadação já está melhorando em 2021.

“Isso não está nos preocupando muito agora. Só de o PIB [Produto Interno Bruto] voltar para um nível semelhante ao que estava antes da pandemia, já veio uma arrecadação R$ 100 bilhões acima do previsto no primeiro semestre”, afirmou. “Se erramos os R$ 30 bilhões, não tem problema. Já está pago. Antes de começar a reforma, já está pago”, disse em live com o jornal Valor Econômico na quarta-feira (14).

De fato, a receita tem registrado valores acima do esperado pelo governo em 2021. A diferença entre o projetado agora e o calculado no Orçamento é de R$ 157 bilhões. Mas analistas ressaltam que a melhora mencionada pelo ministro tem ligação com fatores não assegurados para os anos futuros, como a própria melhora na economia, o preço das commodities e até o padrão de consumo na pandemia -mais voltado a bens (em geral, com taxação mais elevada do que serviços).

Há dúvidas sobre o comportamento das receitas nos anos seguintes -em especial considerando os impactos da crise energética e as incertezas sobre a recuperação da economia em meio à persistência da Covid-19 no país. Por isso, contar com essa elevação para respaldar um programa permanente é questionado. Pedro Schneider, economista do Itaú Unibanco, afirma que, passados esses efeitos transitórios, a arrecadação deve voltar a crescer a um ritmo mais próximo ao do PIB. Segundo ele, o ideal é que novas medidas orçamentárias sejam compensadas para que não seja interrompida a busca pelo equilíbrio fiscal.

“Medidas que gerem aumento de gastos de forma permanente ou redução de receitas de forma permanente deveriam ser idealmente compensadas fiscalmente com outras medidas, de modo a não interromper o ajuste fiscal, que já é bem gradual para um país emergente de dívida pública elevada”, afirma. Ao ser questionado sobre a proposta, o Ministério da Economia vem respondendo que o relatório ainda está sendo analisado. “[Sobre o impacto fiscal e] a magnitude, é claro que a gente está sendo diligente”, afirmou na última quarta-feira (14) Bruno Funchal, secretário especial de Fazenda. “O Ministério está estudando o relatório. Ele é preliminar”, disse.

Fonte: Folhapress

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