Análise: O difícil equilíbrio da gangorra da reforma tributária

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O ministro Paulo Guedes usou a analogia da gangorra, durante entrevista em Live do Valor, para explicar a guinada dada pelo governo em relação a sua própria proposta de reforma do Imposto de Renda (IR) enviada há menos de 20 dias ao Congresso Nacional.

Para ter que bancar a decisão política de aumentar a faixa de isenção e corrigir a tabela de IR da pessoa física em um ano de eleição, e ao mesmo tempo não correr o risco de ter um desequilíbrio fiscal, o governo Bolsonaro acabou pesando a mão ao calibrar as alíquotas do novo desenho de tributação sobre o lucro corporativo, que agora passará a ser feito em duas fases — com a primeira parcela na empresa, e a segunda quando da distribuição dos dividendos —, se a reforma passar.

Foi o conservadorismo da Receita Federal, explicou o ministro ao jornalista Cristiano Romero, que fez o projeto sair do Planalto prevendo tributar o lucro corporativo com uma cunha total de 43,2%, sendo 29% na pessoa jurídica (5 pontos percentuais abaixo da alíquota atual) e mais 20% do novo imposto sobre o dividendo.

Esse mesmo conservadorismo fez o Fisco abrir o “saco de maldades” e incluir no projeto diversos dispositivos para evitar uma série de planejamentos tributários que os auditores fiscais cansam de encontrar rotineiramente, mas que não tinham sucesso em coibir.

Ao ouvir a gritaria uníssona do empresariado, porém, o ministro reconheceu erro. Na sua analogia, o peso da gangorra estava todo do lado da Receita. E ele e o relator do projeto na Câmara, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA), entraram na negociação para tentar equilibrar a brincadeira. E sempre que houvesse dúvida, disse o ministro, o desempate deveria favorecer o setor privado.

O resultado até agora é que a gangorra se moveu. Mas talvez tenha passado do ponto de equilíbrio, principalmente se for considerado que o lobby todo que haverá no Congresso durante a tramitação será para afrouxar ainda mais as medidas, e não no sentido contrário.

Se antes a Receita alegava (sob desconfiança do empresariado) que a reforma seria neutra quando se olhasse o agregado, agora, já nas contas do relator, o governo está abrindo mão de R$ 28 bilhões em receita em 2022 e mais R$ 30 bilhões por ano a partir de 2023.

VALOR ECONÔMICO – Análise (Por Fernando Torres)

A principal razão para a mudança está na proposta de redução do IRPJ em um total de 12,5 pontos percentuais a partir de 2023, e não mais em apenas 5 pontos percentuais.

Com esse ajuste para baixo, o governo ataca o principal ponto de crítica à proposta, e deixa a alíquota teórica combinada sobre o lucro em 37,2%, um pouco acima da atual, mas com um peso de apenas 21,5% na empresa, o que deixaria o Brasil com um nível de tributação, nesse aspecto, semelhante ao que se observa nos países da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No cenário em que a empresa distribui apenas 25% do lucro, o peso total do tributo acaba caindo de 34% para a casa dos 25%.

É bom que se diga que seria possível reduzir o tributo corporativo nessa magnitude, e criar o novo imposto sobre dividendo para equilibrar a conta, bastando calibrar as alíquotas em busca da neutralidade. Mas com a agenda eleitoral no caminho, o governo quis também reduzir o IR das pessoas físicas e aumentar o Bolsa Família. E é por isso que a conta não fecha.

Mas qual mágica? Como um país como o Brasil, que convive com um déficit fiscal há sete anos, simplesmente opta por reduzir carga tributária sobre a renda, na esperança (ou crença) de que o aumento de arrecadação neste ano de inflação mais alta e comportamento de consumo atípico por causa da pandemia vai perdurar no tempo?

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